23 de agosto de 2008

RUMO A BELÉM



Os 10 objetivos de ação para o Fórum Social Mundial 2009

Consulta entre participantes do FSM definiu objetivos de ação para o evento de 2009, que será realizado em Belém, de 27 de janeiro a 1° de fevereiro. Em torno destes objetivos serão organizadas as diversas atividades do Fórum Social Mundial. Inscrições para o FSM 2009 iniciam na segunda quinzena de agosto.

Redação - Carta Maior

Entre 10 e 12 julho, integrantes da Comissão de Metodologia do Conselho Internacional e do Grupo Facilitador local estiveram reunidos em Belém para avaliar as respostas à consulta realizada entre maio e junho e definir o conjunto final dos objetivos de ação dos participantes do FSM 2009. A consulta proposta pelo Conselho Internacional do FSM buscava ampliar ou adequar os objetivos de ação para o evento de 2009.Em torno destes objetivos serão organizadas as diversas atividades (conferências, painéis, seminários, oficinas entre outras) no evento de Belém. Confira a lista de objetivos em torno dos quais serão organizadas as atividades no território do Forum de Belém. Destacadas em negrito estão as adições feitas aos objetivos definidos originalmente para o FSM 2007, realizado em Nairóbi (Quênia).
1. Pela construção de um mundo de paz, justiça, ética e respeito pelas espiritualidades diversas, livre de armas, especialmente as nucleares;
2. Pela libertação do mundo do domínio do capital, das multinacionais, da dominação imperialista patriarcal, colonial e neo-colonial e de sistemas desiguais de comércio, com cancelamento da dívida dos países empobrecidos;
3. Pelo acesso universal e sustentável aos bens comuns da humanidade e da natureza, pela preservação de nosso planeta e seus recursos, especialmente da água, das florestas e fontes renováveis de energia;
4. Pela democratização e descolonização do conhecimento, da cultura e da comunicação, pela criação de um sistema compartilhado de conhecimento e saberes, com o desmantelamento dos Direitos de Propriedade Intelectual;
5. Pela dignidade, diversidade, garantia da igualdade de gênero, raça, etnia, geração, orientação sexual e eliminação de todas as formas de discriminação e castas (discriminação baseada na descendência);
6. Pela garantia (ao longo da vida de todas as pessoas) dos direitos econômicos, sociais, humanos, culturais e ambientais, especialmente os direitos à saúde, educação, habitação, emprego, trabalho digno, comunicação e alimentação (com garantia de segurança e soberania alimentar);
7. Pela construção de uma ordem mundial baseada na soberania, na autodeterminação e nos direitos dos povos, inclusive das minorias e dos migrantes;
8. Pela construção de uma economia centrada em todos os povos, democratizada, emancipatória, sustentável e solidária, com comércio ético e justo;
9. Pela ampliação e construção de estruturas e instituições políticas e econômicas – locais, nacionais e globais – realmente democráticas, com a participação da população nas decisões e controle dos assuntos e recursos públicos;
10. Pela defesa da natureza (amazonica e outros ecossitemas) como fonte de vida para o Planeta Terra e aos povos originários do mundo (indígenas, afrodescendentes, tribais, ribeirinhos) que exigem seus territórios, linguas, culturas, identidades, justiça ambiental, espiritualidade e bom viver.
Para o FSM 2009, será possível também inscrever atividades auto gestionadas de balanços dos movimentos altermundistas e do processo FSM e sobre as perspectivas de ambos, que não se vinculem necessariamente a um destes dez objetivos específicos.Como participar do FSM 2009As inscrições para o FSM 2009 começam na segunda quinzena de agosto e serão feitas exclusivamente através do site FSM2009amazonia. O primeiro momento será dedicado ao cadastramento das atividades autogestionadas. De acordo com a Carta de Princípios do Fórum Social Mundial, somente organizações podem inscrever atividades. Em um segundo momento, acontecem as inscrições de participantes individuais e veículos de mídia.
Fórum Social Américas As inscrições para o Fórum Social Américas estão abertas até o dia 15 de agosto. A terceira edição do evento acontece na Guatemala, entre 7 e 12 de Outubro. Para realizar a sua inscrição ou saber mais sobre o III FSA, visite o site do evento: * As informações são da Comissão Organizadora do Fórum Social Mundial

IMPEDIR A GUERRA IMPERIALISTA NA AMÉRICA LATINA

(Ivan Pinheiro*)

A partir do inverossímil "ataque terrorista" às torres gêmeas nova-iorquinas, atribuído a fundamentalistas islâmicos, o imperialismo norte-americano demonizou Sadam Hussein e os Talibãs, para poder invadir o Iraque e o Afeganistão, dois países estratégicos na disputa por petróleo, gás e água, algumas das principais riquezas naturais que decidirão a hegemonia mundial. Contra Sadam, inventaram a mentira das armas de destruição em massa, cuja existência já foi desmentida até por organismos da ONU. Contra os Talibãs, a farsa de que eram narcotraficantes. Depois de anos de destruição e extermínio, não há perspectiva de os ianques saírem militarmente vitoriosos desses países, pois seus povos, como o vietnamita, resolveram enfrentar os verdadeiros terroristas.

Mas a crise econômica por que passam os EUA e as necessidades cada vez maiores de reprodução do capital - em meio a crises cíclicas, disputas de mercados, escassez de fontes energéticas e recursos naturais, elevação do preço do petróleo e dos alimentos - empurram o imperialismo para novas aventuras militares. Na "divisão de tarefas" do capital internacional, cabe ainda aos Estados Unidos o papel de gendarme principal de seus interesses no mundo, na América Latina em particular.

Cabe destacar que, ao mencionarmos genericamente a palavra imperialismo, não estamos falando apenas de seu pólo hegemônico (os Estados Unidos), mas de todo o sistema capitalista mundial. Até porque, apesar de a América Latina ser considerada há décadas como o "quintal dos EUA", há na região vários monopólios de capitais majoritariamente originários de outros países, sobretudo da Europa.

Isto é necessário ser compreendido pela esquerda, para afastarmos ilusões de alianças com a burguesia européia ou mesmo com a burguesia dependente latino-americana, notadamente a brasileira e a mexicana. As economias desses países fazem parte do sistema capitalista internacional. O que existe são contradições inter-burguesas e inter-imperialistas que podem circunstancialmente nos favorecer no curto prazo, em algumas questões, como é o caso da política externa brasileira, aparentemente contraditória, que "morde e assopra" os EUA. Aceita liderar as tropas da ONU que ocupam o Haiti, a pedido de Washington, ao mesmo tempo em que ajuda a desmontar a possibilidade de a Colômbia de Uribe conseguir uma guerra contra seus vizinhos.

Como tentaremos aqui expor, os Estados Unidos precisam de uma guerra na América Latina, para recuperar pelas armas seu espaço perdido. Pelo contrário, ao Brasil não interessa essa guerra. Com sua eficiente diplomacia, vai ganhando mercados, ao mesmo tempo em que Lula se apresenta como uma alternativa moderada ao "radicalismo" de Chávez e Evo Morales. Cada vez que nosso Presidente chega a uma capital latino-americana, leva consigo, além do aero-lula, dois ou três aviões cheios de empresários brasileiros, para cobrar o preço da solidariedade: o aproveitamento de oportunidades na busca de mercados.

Em 28 de maio passado, Lula visitou o Haiti pela segunda vez. Da primeira, antes da ocupação, chegou com a seleção brasileira de futebol e, em seguida, mandou nossas tropas. Agora, quatro anos depois, foi buscar os frutos. Desembarcou em Porto Príncipe com dezenas de empresários brasileiros, numa delegação em que se destacavam os executivos das empreiteiras Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Correa, as mesmas que transformaram a Venezuela num canteiro de obras, em retribuição a alguns gestos brasileiros simpáticos à revolução bolivariana. Recentemente, Lula anunciou que o Brasil pretende ser o principal parceiro comercial de Cuba, apostando numa improvável restauração capitalista na ilha socialista.

Neste fim de semana, Lula, acompanhado de dezenas de empresários brasileiros, radicalizará em sua eclética agenda, destinada a pairar acima das divergências regionais. Encontra-se na Bolívia, com Evo Morales e Hugo Chávez, e depois na Colômbia, com Álvaro Uribe e Allan Garcia, outro aliado estadunidense.

Quando o governo brasileiro ajuda a inviabilizar a ALCA ou lidera a criação da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas) e do Conselho Sul-Americano de Defesa Regional devemos saudá-lo, pois isto objetivamente contraria os interesses dos EUA. Mas não esqueçamos o outro lado da questão: o Brasil é um contraponto capitalista ao movimento de integração antiimperialista da região, representado pela ALBA e por outras iniciativas de integração solidária e complementar, lideradas por Hugo Chávez. O capitalismo brasileiro é uma formação social e econômica dependente e associada ao imperialismo, com suas contradições.

Apesar da grande diferença de discursos e práticas políticas, Uribe e Lula são concretamente duas alternativas do capital para a América Latina. No entanto, é óbvio que não os podemos colocar no mesmo saco. Uribe é indiscutivelmente o inimigo principal, do curtíssimo prazo. Se não o derrotarmos, uma onda de retrocesso e repressão pode abater-se sobre nosso continente. Mas a esquerda não pode conciliar e deixar de marcar diferenças com Lula, que governa fundamentalmente para o capital, tanto na política externa como na interna. Sua tarefa principal é "destravar" o capitalismo, custe o que custar, inclusive o meio ambiente, os direitos trabalhistas, a soberania nacional.

Depois de sofrer derrotas na América do Sul, como no caso do fracassado golpe contra Chávez, em 2002, e de ter que concentrar esforços inesperados para enfrentar a surpreendente força da resistência iraquiana, o imperialismo retoma com intensidade a pressão sobre a região, num momento em que vem crescendo o processo de mudanças. E é aí que mora o perigo! Hoje, os olhos, os ouvidos e os canhões norte-americanos voltam-se para a América do Sul, sobretudo para a região andina. Trata-se de tentar, no plano tático, frear o processo de mudanças e, no estratégico, consolidar e expandir o controle sobre as riquezas naturais do continente, que são imensas. Além do petróleo e do gás, a América do Sul tem as maiores reservas de água potável do planeta. Ao norte, a Amazônia; ao sul, um conjunto de grandes rios que se juntam no Aqüífero Guarani.

O imperialismo, por várias razões, já identificou seus inimigos principais na América do Sul: a revolução bolivariana da Venezuela e a revolução democrática e cultural da Bolívia.

O governo venezuelano é inimigo importante, pelo exemplo que inspira processos semelhantes em outros países, aos quais presta efetiva solidariedade política e material; pela defesa de Cuba Socialista e pela parceria com ela; pela contribuição para inviabilizar a ALCA, com a implantação da ALBA; por ter avançado mais em mudanças institucionais e estruturais; por ter resistido a vários golpes (o golpe de Estado, o lockout petroleiro); por ter a economia e as reservas minerais mais importantes da região andina.

Dentre os fatos recentes mais significativos da revolução na Venezuela estão as nacionalizações e estatizações de empresas estratégicas de energia elétrica, comunicações, alimentos, petroleiras, cimenteiras, siderúrgicas. O exemplo mais emblemático foi a reestatização da SIDOR (Siderúrgica de Orinoco), que havia sido privatizada a preço de banana no governo anterior. É como se o Brasil reestatizasse a Vale do Rio Doce!

O diferencial neste caso foi o protagonismo da classe operária. Uma greve havia começado pelo fim da terceirização de mão-de-obra e pela renovação do contrato coletivo de trabalho e acabou, pela força do movimento, acrescentando a palavra de ordem vitoriosa da reestatização da multinacional. Esta vitória deveu-se à luta dos trabalhadores e à direção conseqüente de forças de esquerda, principalmente o PCV (Partido Comunista de Venezuela), na mudança do objetivo principal do movimento e no enfrentamento da traição do então Ministro do Trabalho, que havia inclusive jogado forças policiais para reprimir o movimento. Foi decisivo também o papel de Chávez, que demitiu o Ministro do Trabalho, acabou com a terceirização e decretou, simbolicamente no primeiro de maio, a reestatização da empresa.

Na Bolívia, estamos assistindo a firmeza com que o governo Evo Morales enfrenta, com o respaldo do movimento de massas, o separatismo tentado pela direita, que conta com a ajuda política e material da embaixada norte-americana. Ao invés de curvar-se à pressão da oligarquia local, o governo da Bolívia avança na nacionalização de empresas estratégicas. O próprio Presidente - que declarou recentemente ser o capitalismo o maior inimigo da humanidade – desafia a oposição de direita para disputar um tira-teima político decisivo, no próximo 10 de agosto, ao convocar um referendo revogatório dos mandatos dele próprio e dos nove governadores, dos quais cinco lhe fazem oposição, todos da região conhecida como "Meia Lua". Vencida esta etapa importante, já se anuncia um novo plebiscito, desta vez para legitimar o trabalho da Assembléia Nacional Constituinte, que vem sendo boicotada pela direita.

O VERDADEIRO EIXO DO MAL:

Há hoje claros sinais de que o imperialismo norte-americano prepara o terreno para provocar guerras regionais na América Latina, jogando no momento com duas possibilidades: uma guerra civil na Bolívia e, o que parece mais potencialmente explosivo, o agravamento da tensão das relações entre a Colômbia, de um lado, e a Venezuela e o Equador, de outro.

Como em Caracas, em La Paz o embaixador americano é o chefe golpista. A direita está organizando milícias paramilitares, os denominados "Comitês Cívicos" e "Uniões Juvenis". Esses grupos já procuram impedir inclusive a circulação de Evo Morales em cidades da chamada "Meia Lua", como fizeram recentemente em Sucre, onde torturaram seguidores indígenas do Presidente em praça pública. Vão tentar impedir à força a realização do referendo revogatório.

Na região da Grande Colômbia, a escalada belicista teve seu marco na suspensão, em dezembro do ano passado, dos esforços de Hugo Chávez, da Senadora colombiana Piedad Córdoba e das FARC no sentido de retomar a troca humanitária de prisioneiros e reféns na Colômbia, processo que poderia criar um clima de distensão, num conflito que tem mais de 60 anos (antes mesmo do assassinato do líder popular Jorge Eliécer Gaitán, em 1948, ao qual seguiu-se o "Bogotaço", com a morte de mais de 300 mil pessoas), num país em que a violência política é a marca do Estado burguês.

A troca humanitária está suspensa desde 2002, justamente em função do clima que o imperialismo criou no mundo a partir da derrubada das Torres Gêmeas. As negociações de paz entre o governo colombiano e as FARC, até então, já duravam três anos, numa zona desmilitarizada, caminhando para uma solução política negociada. Com o início da "cruzada contra o terrorismo", os EUA incluem as FARC no "eixo do mal", a lista de organizações e Estados "terroristas" , fato de que se aproveita a direita colombiana para por fim às negociações e à troca humanitária. A partir daí, chegam mais milhares de "assessores militares" e milhões de dólares norte-americanos, no contexto do famigerado "Plano Colômbia".

Em novembro de 2007, a ordem para acabar com a intermediação do presidente venezuelano e a possibilidade de uma negociação entre a guerrilha e o governo partiu do chefe de Álvaro Uribe, o megaterrorista George Bush, que resolveu fazer com que a Colômbia desempenhe, na América Latina, um papel semelhante ao que Israel representa no Oriente Médio: uma cabeça de ponte do imperialismo. Uribe é agente norte-americano desde quando foi identificado pelo FBI, como um dos operadores políticos do narcotráfico na Colômbia, associado ao lendário Pablo Escobar, na época chefe do cartel de drogas de Medellin.

O segundo lance da escalada agressiva foi muito ousado. Em março deste ano, para dar um golpe mais profundo nas negociações que avançavam para a possibilidade concreta de libertação da franco-colombiana Ingrid Betancourt, a sinistra dupla Bush-Uribe assassina o próprio negociador, o Comandante Raul Reyes, num ataque terrorista ao território do Equador, cujo Presidente não se acovarda e resolve defender a soberania de seu país. A infame ação militar, durante o sono das vítimas, por pouco não provocou o início de uma guerra na região, não fora a firme posição unânime dos demais países da América Latina em condenar a agressão ao Equador.

O terceiro passo belicista do imperialismo foi a ópera bufa do computador pessoal de Raul Reyes. Com o apoio do terrorismo midiático, criam-se as mentiras que poderão justificar nova guerra, como aconteceu no Afeganistão e no Iraque.

Qualquer pessoa um pouco mais atenta deve desconfiar de como pode ficar intacto um frágil computador portátil submetido a um ataque aéreo com mísseis que destruíram todo o acampamento, matando mais de vinte pessoas. Tudo em volta foi estilhaçado, menos o computador. Os mais informados devem desconfiar como um quadro experimentado como Raul Reyes, uma das pessoas mais visadas do mundo, seria tão irresponsável de registrar informações rigorosamente reservadas, se fossem verdadeiras, como supostas contribuições financeiras para a campanha de Rafael Correa ou recebimentos de valores de Hugo Chávez.

A partir da farsa da "autenticidade" do computador, o imperialismo pode inventar as histórias que quiser, ou melhor, de que precisar. Os computadores continuarão a falar muito, mesmo após um manifesto (ignorado pela mídia), assinado por renomados intelectuais e cientistas norte-americanos, que questionam a autenticidade do relatório da Interpol, acusando-o de leviano e inconsistente. Esta é uma fonte inesgotável de provocações, para tentar incriminar alguns e intimidar a outros, sejam de que nacionalidade forem.

A mais recente provocação foi o esperto golpe midiático de Uribe, tentando capitalizar como "resgate" o que viria a ser uma libertação unilateral de Ingrid e de outros retidos por parte das FARC. O governo colombiano roubou a cena, tentando disseminar a imagem de sua eficiência militar, em contraste com a "infiltração" e "enfraquecimento" das FARC. Inescrupulosamente, não hesitou sequer em se utilizar, num estelionato político contra a humanidade, o símbolo até então imaculado da Cruz Vermelha Internacional.

O que preocupa é a pressa com que os fatos estão se precipitando. É claro que essa pressa tem a ver com as perspectivas sombrias para o imperialismo, ao olhar a América Latina. Tudo conspira contra seus interesses:

· A posse de Lugo, no Paraguai, em 15 de agosto, que pode contribuir para engrossar o caudal de mudanças progressistas e reforçar a integração soberana e solidária da América Latina e, quem sabe, representar o fim da base americana de espionagem para o Cone Sul, instalada num aeroporto paralelo ao de Assunção.

· A contagem regressiva para a saída da base militar estadunidense de Manta, no Equador, em novembro deste ano, pois Rafael Correa já comunicou oficialmente que não renovará a concessão, dada por governo anterior.

· A possível vitória de Evo Morales no referendo revogatório de 10 de agosto, que pode consolidar a importante revolução democrática e cultural por que passa o país, abrindo possibilidades mais avançadas.

· A previsível vitória da esquerda nas próximas eleições do México e do Peru (fechando o círculo de isolamento de Uribe), se a direita não conseguir novamente fraudes nesses países.

· Para completar, a esperada vitória da esquerda nas eleições de novembro, na Venezuela, tendo em vista que todas as pesquisas recentes mostram a recuperação do prestígio de Chávez, voltando ao patamar histórico de dois terços de aprovação e intenção de voto.

Mas o cenário mais dramático se dará se os cálculos de Baby Bush tiverem a ver com a tentativa de reverter a possível derrota dos republicanos nas eleições norte-americanas deste ano. Por incrível que possa parecer, ao olhar de pessoas civilizadas, pode estar nos cálculos dos republicanos reverter a tendência eleitoral desfavorável com algum tipo de agressão militar à Venezuela. Um gesto como este poderia contar inclusive com o apoio dos democratas, pois, em termos de política externa, os dois partidos são como irmãos siameses. Barak Obama declarou recentemente: "apoiaremos o direito da Colômbia de atacar terroristas que buscam abrigo cruzando fronteiras".

Por que duvidarmos da insanidade do imperialismo norte-americano? Se Chávez está tão satanizado na opinião pública brasileira (com a manipulação da Rede Globo e dos demais meios burgueses) imaginem na norte-americana? Sentado em cima de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, no velho quintal onde sempre brincou o Tio Sam, Chávez, além de ser apresentado ao público como um ditador encrenqueiro, "aliado do narcoterrorismo" , ainda por cima bota em risco a gasolina que enche os gulosos tanques dos poderosos carros dos norte-americanos.

É claro que ao imperialismo não basta apenas querer iniciar uma guerra. É preciso que a relação "custo/benefí cio" lhe seja favorável. Talvez não ouse agredir a Venezuela ou o Irã, nesta quadra, em função de uma inevitável elevação do preço do petróleo, que pode ir às alturas, além de outros fatores políticos. Mas não podemos subestimar essas hipóteses que, aliás, não são as únicas. Os EUA precisam de guerras. Por isso, na América Latina, "continentalizam" e diversificam suas provocações. Para eles, onde o fogo começar, está bom! Não é à toa que a Quarta Frota da Marinha de Guerra dos EUA voltou a operar no nosso continente, após mais de 60 anos de inatividade. Não são casuais as recentes incursões de tropas colombianas na Venezuela, nem a violação do espaço aéreo deste país por aviões de guerra norte-americanos. Recentemente, foram presos no Equador paramilitares colombianos que planejavam o assassinato do Presidente Rafael Correa.

Não é coincidência o anúncio de Uribe de que a base de Manta (hoje no Equador) irá transferir-se para território colombiano, exatamente na fronteira com a Venezuela. Aliás, já iniciou-se ali a construção de pistas de pouso e instalações que acolherão um esquadrão de helicópteros e aviões espiões dos EUA, para reforçar o cerco a Chávez, que já inclui uma base aeronaval em Curaçao, ao lado da costa venezuelana, a 30 minutos de vôo de Caracas!

No Peru, instalou-se uma base ianque em Ayacucho (onde há remanescentes da guerrilha do Sendero Luminoso), a pretexto de prestar "ajuda humanitária". Há indícios, entretanto, de se tratar de um campo de treinamento de paramilitares, dirigido pelo serviço secreto israelense Mossad, destinado à formação de comandos especiais de mercenários venezuelanos e colombianos, para um possível assalto a Miraflores, o palácio presidencial hoje ocupado por Chávez.

O imperialismo tem três planos, que podem se combinar, para tentar derrubar o governo venezuelano, pela ordem: I – vitória eleitoral nas eleições de 23 de novembro, seguida de agitação e campanha pelo referendo revogatório do mandato presidencial; II – magnicídio, ou seja, o assassinato do Presidente; III – ação de comandos que remova fisicamente Chávez, através de seqüestro, repetindo o golpe de 2002. Para qualquer dessas hipóteses, as táticas são as mesmas:

- campanha midiática satanizando Chávez e vinculando-o ao narcotráfico e ao terrorismo;
- boicote de fora do governo (desabastecimento, guerra midiática, agentes provocadores, violência urbana, especulação) e de dentro do governo, através da quinta coluna contra-revolucioná ria ali ainda encastelada (corrupção, traição, ineficiência, impunidade).

Vários planos em que atua o governo estadunidense no continente são financiados pela USAID, que atende pelo singelo nome de Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. Desde a famigerada Aliança para o Progresso, os EUA não jogam tantos dólares na América Latina. Agora, em 14 de maio, a USAID reuniu em Washington várias ONGs mercenárias para distribuir-lhes 45 milhões de dólares, destinados a tentar a ruptura do processo revolucionário cubano. Em toda a América Latina, jorram dólares para ONGs e organizações políticas e sociais, inclusive no Brasil, principalmente na Amazônia.

Além do financiamento da direita continental, uma das importantes linhas de ação da USAID é destinada a financiar organizações políticas e sociais com discurso de esquerda, seja para se oporem aos governos antiimperialistas - de forma a confundir as massas e tentar espremer esses governos entre duas oposições, uma de direita e outra supostamente de "esquerda", para simular seu isolamento político - seja, em alguns casos, para criar alternativas não revolucionárias à emergência dos partidos comunistas.

Mas o financiamento mais importante da USAID hoje é para o separatismo, a tentativa de "balcanização" da América do Sul. Apesar de praticamente todos os países terem problemas históricos de separatismo - em função das guerras coloniais e imperialistas, do extermínio de povos e nações, da anexação de territórios, dos bairrismos, dos preconceitos – a ação do império em nosso continente se restringe aos três países em que mais avança a luta de classe: Bolívia (separatismo a partir de Santa Cruz e da "Meia Lua"), Equador (a partir de Quaiaquil) e Venezuela (a partir de Zúlia).

As embaixadas norte-americanas nesses países dirigem politicamente as oligarquias locais, organizam e financiam suas campanhas, dando ênfase ao separatismo. Especialistas foram destacados para as missões "diplomáticas" nesses países. O embaixador americano na Bolívia foi o operador principal da divisão nos Bálcãs e criador do Estado fantoche do Kosovo. Em Zúlia, o governador é a maior expressão da direita venezuelana, ex-candidato a Presidente derrotado por Chávez, e já lançou uma campanha separatista, sob o sugestivo lema "Rumo Próprio – Zúlia para Nós". O legislativo estadual, dominado pela direita, já começou a redigir o "estatuto autonomista" , seguindo o modelo da direita boliviana. O mais grave: milhares de paramilitares estão sendo treinados ou importados da Colômbia, para garantir pelas armas o separatismo, além de possivelmente tentar atacar as FARC, a partir do próprio território venezuelano, já que parte de Zúlia faz fronteira com parte do território insurgente.

DERROTAR URIBE, PARA PODER SEGUIR EM FRENTE:

Diante deste quadro, a luta para denunciar e derrotar o governo títere de Uribe está colocada na ordem do dia dos internacionalistas, humanistas, democratas e pacifistas de todo o mundo. As manifestações simultâneas ocorrridas no dia 6 de março deste ano em vários países têm que se repetir e ampliar. A nossa ação tem que exercer uma enorme pressão internacional que obrigue Uribe a retomar a troca humanitária, pré-requisito para abrir qualquer possibilidade de diálogo político. A libertação unilateral de reféns, que vem sendo praticada pelas FARC, cria condições para exigirmos a libertação também das centenas de revolucionários colombianos presos.

A esquerda precisa entender que não há solução política na Colômbia sem o protagonismo das FARC, que é enraizada entre os trabalhadores, sobretudo o campesinato. Caso contrário, não estaria sobrevivendo há décadas nesta forma de luta, ocupando solidamente mais de um terço do território nacional, onde funciona como um Estado, com leis e tributos próprios. Não se trata de fazer daquela forma de luta um modelo para exportação, pois corresponde à realidade daquele país específico. Mas de respeitá-la.

As FARC foram criadas como organização de autodefesa, frente ao terrorismo estatal que marca a história da ditadura de classe da burguesia colombiana. Antes do "Bogotaço", já existiam bandos militares a serviço das oliqarquias. As FARC não podem sequer pensar em se desmilitarizar, pois já passaram dramaticamente por uma experiência como essa. E isso ocorreu sob um governo socialdemocrata e não fascista, como hoje é o caso de Uribe. Nos anos 80, a guerrilha se desmilitarizou parcialmente por conta de acordos e, juntamente com o Partido Comunista Colombiano e outras forças antiimperialistas, criou a União Patriótica, para participar do jogo institucional. O resultado é que dois candidatos a Presidente da República, dezenas de parlamentares e prefeitos e cerca de 5 mil militantes da UP foram covardemente assassinados por paramilitares e pela repressão estatal.

Sob o governo Uribe, esta violência estatal, conhecida no país como parapolítica, só tem aumentado. Desde 2002, já foram assassinados 15 mil militantes políticos e sociais; mais de 500 presos políticos são maltratados nos cárceres; centenas de milhares de camponeses vêm sendo expulsos de suas terras, que são expropriadas pelos paramilitares. A política de expulsão e extermínio de camponeses se dá nas regiões limítrofes ao território dominado pela guerrilha, para afastá-la do povo. Ali as terras são pulverizadas intensamente com produtos herbicidas tóxicos, para retirar da guerrilha também suas fontes de alimentação.

Mais de quinhentos mil colombianos vivem no exílio, principalmente na Venezuela e Equador. Relatório da ONU, divulgado agora em 18 de junho, revela que a Colômbia figura em primeiro lugar em matéria de refugiados internos, com mais de 3 milhões de pessoas nessa condição. Recentemente, assassinaram seis membros da comissão organizadora de uma manifestação pela troca humanitária, pela negociação e pela paz, que levou 200 mil pessoas às ruas de Bogotá, para protestar contra o governo. A Colômbia, depois de Israel, é o principal país receptor de ajuda militar norte-americana. Suas Forças Armadas têm 380 mil efetivos, muito bem treinados, ao passo que a Venezuela tem 70 mil e o Equador 50 mil, sem experiência.

E este é o melhor momento para acossar Uribe, cujo governo vive o inferno astral da parapolítica. Um terço dos parlamentares está sendo processado pela justiça, por corrupção e ligações com o narcotráfico. Cerca de sessenta deles já estão presos, inclusive um primo de Uribe. Toma corpo um movimento pela antecipação das eleições gerais, pela renúncia imediata de Uribe e pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Uribe joga todas suas fichas para abafar o escândalo, chegando ao ponto de, passando por cima do judiciário, "extraditar" por decreto, sem autorização judicial, no meio da madrugada, quatorze chefes paramilitares para os Estados Unidos, como queima de arquivo, pois os seus depoimentos, que já estavam marcados na justiça colombiana, poderiam revelar a podridão dos porões da narcoparapolí tica colombiana.

Devemos todos nos somar à campanha mundial contra o governo fascista e o estado terrorista da Colômbia, levantando bem alto as principais propostas apresentadas por todas as forças progressistas colombianas, como condições mínimas para o início de um processo de negociações políticas, sob supervisão de países da América do Sul:

reconhecimento das FARC como força política beligerante;

retomada do processo de troca humanitária;

libertação dos presos políticos.

Aqui no Brasil, precisamos criar um amplo e representativo movimento de solidariedade à luta do povo colombiano, que denuncie o terrorismo de Estado naquele país, seja um contraponto à manipulação midiática e ajude na pressão internacional para a retomada das negociações políticas, inclusive exigindo do governo brasileiro que jogue um papel importante para viabilizá-las.

Não tenhamos ilusões. O imperialismo sabe melhor do que muitos de nós: não há solução na Colômbia e, quem sabe, na América Latina, que não passe pelo reconhecimento do caráter beligerante e político das FARC. A solução não poderá ser estritamente militar, pois o conflito colombiano é antes de tudo político, econômico e social. Por isso, a negociação não pode resumir-se à desmilitarizaçã o, mas levar em conta as razões que originaram o conflito (e que ainda lhe conferem atualidade), radicadas nas injustiças sociais, no terrorismo estatal contra os oprimidos, na falta de liberdade de organização e de uma verdadeira democracia.

Não se pode exigir de um exército popular que abandone nas montanhas, além de suas armas, todas as bandeiras políticas que desfraldam há décadas. Não é justo exigir-lhes que aceitem a paz dos cemitérios.

Assim sendo, apesar de respeitarmos as opiniões de alguns setores e lideranças expressivas da esquerda latino-americana que, por ilusão ou razões de Estado, pressionam as FARC a se desmilitarizarem unilateralmente, condenamos resolutamente essas pressões. Não apenas por espírito humanitário, em razão do inexorável assassinato em massa desses militantes revolucionários, se baixarem as armas e descerem as montanhas. Essa rendição (e não existe outra palavra para definir esta proposta) não satisfará o imperialismo, que cobrará mais concessões. Só o "acalmaremos" se abrirmos mão de lutar contra o capital.

Além do mais, se não quisermos conciliar nem retroceder na luta por mudanças revolucionárias e na defesa do patrimônio natural do continente, a insurgência popular pode vir a ser uma necessidade em vários países da região e não apenas na Colômbia. Basta lembrar que tanto no Iraque como no Afeganistão a resistência à agressão militar imperialista é exercida exclusivamente por forças insurgentes populares e não pelas antigas forças armadas convencionais nacionais, sempre inferiorizadas em confronto com a máquina de guerra do império do capital. Não custa lembrar o exemplo heróico dos vietcongs, que, através da guerrilha e da guerra popular, derrotaram o maior contingente militar de que se tem notícia em toda a história da humanidade.

As FARC são um fator de resistência à ocupação imperialista da Colômbia e, porque não dizer, da Amazônia. O extermínio das FARC seria hoje uma grande vitória do imperialismo: não é à toa que se transformou em sua prioridade.

E mais: para dar solidariedade aos povos venezuelano, boliviano, equatoriano; para lutar para que possam avançar as mudanças e a luta de classe na América Latina, mesmo em processos mais mediados e contraditórios como Argentina, Brasil, Chile, Uruguai e, possivelmente, Paraguai; para evitar que haja guerra e retrocesso em nosso continente; para tudo isso, há um pré-requisito: derrotar o verdadeiro eixo do mal, os braços terroristas do imperialismo norte-americano em nosso continente: o governo fascista e o estado terrorista da Colômbia!

Finalmente, fica uma proposta para todas as forças antiimperialistas brasileiras e latino-americanas. Agora neste mês de julho, 60 anos depois de desativada, a famigerada Quarta Frota norte-americana voltou ameaçadoramente a costear nossos mares, manchando-os com sua tenebrosa história. Desta vez com mais poder destrutivo, com mais tecnologia, inclusive nuclear. É a maior provocação de que a América Latina foi vítima. É o verdadeiro terrorismo.

É preciso articular todas as organizações e forças políticas e sociais antiimperialistas da América Latina na criação de um forte e unitário movimento pela expulsão desses piratas terroristas dos nossos mares, de onde, apontando-nos seus instrumentos de espionagem e suas armas de destruição em massa, cobiçam nossas riquezas naturais e esperam a melhor hora para matar nossos sonhos de liberdade e justiça.

Está na hora de escolhermos uma data, ainda este ano, para promovermos simultaneamente manifestações nas portas de todas as missões diplomáticas e de todos os símbolos dos EUA em toda a América Latina, gritando, como um só povo:

17 de agosto de 2008

"UM MUNDO, UM SONHO"



A China e os Jogos Olímpicos de Pequim


Estes Jogos celebram os 30 anos das reformas impulsionadas em 1978 por Deng Xiaoping que permitiram o milagre econômico e o renascimento da China. Mas esse milagre tem vários lados ocultos. Entre eles, as graves violações de direitos humanos e o desastre ecológico. A análise é de Ignácio Ramonet.
Ignacio Ramonet
Com o lema "Um Mundo, Um Sonho", os Jogos Olímpicos de Pequim deveriam oferecer aos dirigentes chineses, de 8 a 24 de Agosto, a oportunidade para uma reabilitação internacional depois da condenação mundial que sofreram após a matança na Praça de Tiananmen em 1989. Por isso o êxito das Olimpíadas é tão primordial para eles e o primeiro-ministro Wen Jiabao insiste nas consignas de "harmonia" e de "estabilidade". Isso também explica a brutalidade da repressão contra a revolta do Tibete em março passado, assim como o furor das autoridades contra as manifestações que perturbaram, em alguns países, a passagem da tocha olímpica. Ou a rapidez no envio de auxílio aos afetados pelo terremoto de Sichuan de 12 de maio. Nada pode perturbar a consagração mundial da China neste ano olímpico. Estes Jogos celebram os trinta anos desde o início das reformas impulsionadas em 1978 por Deng Xiaoping que permitiram o milagre econômico e o excepcional renascimento da China. Certo é que os seus triunfos impressionam. O PIB chinês duplica a cada oito anos e, em 2008, o seu crescimento pode ultrapassar os 11%. Com uma população de 1,35 bilhões de habitantes - igual à soma das Américas (900 milhões) com a Europa (450 milhões), este país já é a terceira economia do planeta: ultrapassou a Alemanha, ultrapassará o Japão em 2015 e pode superar os Estados Unidos em 2050. A China tornou-se o primeiro exportador mundial e o principal consumidor do planeta. Mas esse milagre tem vários lados ocultos. Em primeiro lugar, as graves violações em matéria de direitos humanos, que contradizem os valores do olimpismo. Por exemplo, a China leva a cabo mais de 7.000 execuções capitais por ano, ou seja, 80% de todas as penas de morte aplicadas no mundo. Além disso, a estabilidade deste colosso vê-se ameaçada por outros perigos: uma previsível quebra bolsista, uma inflação desmedida, um desastre ecológico e motins sociais que se estão multiplicando. O próprio vice-presidente da Assembléia Popular, Cheng Siwei, alertou: "está se formando uma bolha especulativa. Os investidores deveriam preocupar-se com os riscos" (1). E Alan Greenspan, ex-presidente do Banco Federal dos Estados Unidos, acaba de afirmar que os mercados financeiros chineses estão "sobrevalorizados" e alcançaram níveis "insustentáveis". O índice da Bolsa de Xangai multiplicou por cinco desde 2006 e o seu crescimento desde princípios de 2008 é de 106%. Quando uma bolsa atinge picos deste gênero, o afundamento poucas vezes está longe. Neste momento, o número de ricos não pára de aumentar. A China já tem 250.000 milionários em dólares. Mas as políticas liberais do sistema também fizeram aumentar as desigualdades entre ricos e pobres, entre ganhadores e perdedores. 700 milhões de chineses (47% da população) vivem com menos de dois euros por dia; destes, 300 milhões vivem com menos de um euro diário. O "milagre" assenta na repressão e exploração de um imenso exército de trabalhadores (os que fabricam para o mundo inteiro todo o tipo de bens de consumo baratos). Às vezes trabalham entre 60 e 70 horas por semana, recebendo menos do que o salário mínimo. Mais de 15.000 operários morrem em cada ano em acidentes de trabalho. Os conflitos sociais têm aumentado anualmente 30%: greves selvagens, revoltas de pequenos agricultores, além do escândalo das crianças escravas. O atual contexto é propício ao descontentamento, pois na China, como em muitos países, o incremento do preço dos alimentos e da energia (a 19 de junho passado, o governo aumentou o preço dos combustíveis em 18%) traduz-se numa subida da inflação (que alcançava os 7,7% em maio) e uma consequente degradação do nível de vida. As autoridades temem a ameaça de uma inflação desestabilizadora que poderia provocar manifestações de massas semelhantes às que foram afastadas da Praça Tiananmen em junho de 1989. A tudo isto soma-se o perigo de uma catástrofe ecológica que cada dia preocupa mais os cidadãos. O próprio ministro do Meio Ambiente, Pan Yue, admitiu a enormidade do desastre: "Cinco das cidades mais contaminadas do planeta encontram-se na China; as chuvas ácidas caem sobre um terço do nosso território; um terço da nossa população respira um ar muito contaminado. Em Pequim, 70% a 80% dos casos de câncer têm por causa o meio ambiente degradado" (2). Todos os descontentes da China vão querer aproveitar o grande evento das Olimpíadas e a presença de 30 mil jornalistas estrangeiros para expressar as suas iras. As autoridades encontram-se em estado de alerta máximo. Sonham poder desativar o gigantesco barril de pólvora social a ponto de rebentar. Para que os Jogos de Pequim não incendeiem a toda a China.

As Olimpíadas, Grandes Negócios e Ditadura


Ao invés dos auto-proclamados ideais do movimento olímpico de 'internationalismo' e 'jogo justo', os Jogos tem a ver com duas forças a primeira vista contraditórias: agitação nacionalista e globalização capitalista
"A vitória de Pequim são grandes negócios", declara uma manchete da BBC em julho de 2001. A China foi premiada com os Jogos Olímpicos de 2008. As Olimpíadas não são apenas o evento esportivo mais prestigioso do mundo; também são um dos mais bem sucedidos impérios do marketing na história do capitalismo. O símbolo olímpico – cinco anéis interligados representando os cinco continentes – é um dos mais reconhecíveis e estreitamente protegidos logos corporativos. O pequeno, sigiloso e não-eleito grupo que controla as Olimpíadas, o Comitê Olímpico Internacional (IOC, em inglês) de 110 membros, comanda enormes recursos financeiros e é festejado por governos e líderes empresariais do mundo todo. O antigo presidente do IOC, Juan Antonio Samaranch, insistia em ser chamado de "Sua Excelência". Sua megalomania rendeu-lhe o apelido de "Senhor dos Anéis".
Esperava-se que as Olimpíadas de Pequim rendam $2,5 bilhões apenas em transmissões televisivas. Essa soma deverá aumentar para $3 bilhões no período até as Olimpíadas de Londres em 2012. Na última vez que os Jogos foram realizados em Londres, em 1948, a BBC supostamente concordou em pagar apenas $3.000 para televisionar o evento. Mas o Comitê Olímpico Britânico nunca embolsou o cheque, por consideração à delicada situação financeira da BBC!
Tudo isso foi antes das Olimpíadas e de outros grandes eventos esportivos se tornarem grandes negócios. A remodelação corporativa das Olimpíadas ocorreu sob Samaranch, que foi presidente do IOC em 1980-2001. A primeira olimpíada a ser realizada sob o regime ultra-comercial de Samaranch foram os Jogos de 1984 em Los Angeles, e a partir de então o preço para os direitos de transmissão televisiva decolou "mais rápido, mais forte e mais alto", nas palavras do mote olímpico oficial. A receita dos direitos de televisão em Pequim é quase dez vezes os $287 milhões pagos em Los Angeles.
Não surpreendentemente, com bilhões de dólares em jogo, o IOC adquiriu uma reputação de corrupção. Um grande escândalo abalou o movimento olímpico em 1999, com os Jogos de Inverno em Salt Lake City. Várias investigações, incluindo uma do Departamento de Justiça dos EUA, levaram à expulsão de 10 membros do IOC, que foram "pegos com a boca na botija", segundo o The New York Times. Eles tinham aceitado subornos que iam de vendas de propriedades, férias pagas, cirurgias plásticas a pagamento do colégio para seus filhos. O escândalo custou o emprego do prefeito de Salt Lake City, mas o chefão do IOC Samaranch sobreviveu, por pouco.
Esse escândalo levantou uma intensa especulação sobre o futuro das Olimpíadas, a total falta de transparência e averiguação democrática de seu órgão dirigente, e suas conexões obscuras com os grandes negócios. Um debate travado sobre se o IOC poderia "reformar a si mesmo" – ecoando discussões sobre o futuro do Partido Comunista da China (PCC). Escândalos de corrupção e compra de votos, contudo, continuaram a envolver o movimento olímpico logo após a saída de Samaranch. Em 2006, descobriu-se que a cidade japonesa de Nagano forneceu milhões de dólares em um "nível excessivo e ilegítimo de hospitalidade" aos membros do IOC. Nagano gastou mais de 4,4 milhões dólares para entreter os membros do IOC durante o processo de seleção, o que deu uns 46.500 dólares por pessoa.
O governo da China, o IOC e seus parceiros nos grandes negócios têm muito em comum. Todos são organizações anti-democráticas, elitistas, e em sua maioria corruptas. O IOC, apelidado "O Clube", não é um órgão eleito – os membros existentes escolhem novos membros, sob um sistema não diferente dos órgãos dirigentes do PCC. Por isso, a noção de que as Olimpíadas, controladas por um regime ditatorial, poderiam ser um agente para a mudança democrática na China, é ridículo. O IOC não admite dissidentes. Na preparação para os Jogos de Berlim em 1936, sob o regime nazista, Ernest Lee Jahncke, um representante americano do IOC, falou publicamente pelo boitcote. Isso levou à sua expulsão do IOC em 1935, a única expulsão na história da organização até o escândalo de corrupção de Salt Lake City meio século depois.
'Rushi' – 'unindo-se ao mundo'
Cálculos práticos de negócios, mas também considerações geopolíticas estão por trás da decisão do IOC, em julho de 2001, de outorgar os Jogos de 2008 a Pequim. Os patrocinadores corporativos das Olimpíadas – incluindo Coca Cola, Adidas e McDonald's – ficaram ávidos com as oportunidades apresentadas aqui para o "posicionamento de produtos" em um mercado potencial de 1,3 bilhões de pessoas. Um poderoso lobby empresarial multinacional jogou todo o seu peso em Pequim, com as companhias dos EUA supostamente contribuindo com dois terços dos fundos para a candidatura chinesa, que totalizou $40 milhões. O regime chinês tinha fracassado oito anos antes em sua candidatura para as Olimpíadas de 2000. A escolha foi para Sydney, com a memória relativamente fresca do massacre de 1989 em Pequim pesando contra a China.
Em 2001, contudo, Samaranch foi acusado de "mexer os pauzinhos por trás das cenas para assegurar a vitória de Pequim. Reconhecidamente, foi o membro do Canadá no IOC que fez essa afirmação, e ele apoiava a outra principal cidade candidata, Toronto. As Olimpíadas abririam "uma nova era para a China", disse Samaranch. Henry Kissinger, que é um membro auxiliar (não-votante) do IOC, mas também um elo chave entre o capitalismo americano e os líderes chineses, chamou a decisão olimpíca "um passo muito importante na evolução das relações da China com o mundo. Penso que isso terá um grande impacto na China e, como um todo, um impacto positivo, no sentido de dar-lhe um alto incentivo para moderar sua conduta no plano internacional e doméstico nos próximos anos".
A decisão do IOC coincidiu com as negociações finais para o admissão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC), em termos duros que lhe custam mais em concessões de abertura de Mercado do que qualquer outro "país em desenvolvimento" membro. Os detalhes destas negociações e das concessões feitas pelo lado chinês ainda são um "segredo de estado" dentro da China – jornalistas correm risco de prisão por cavarem muito fundo nesta área. A entrada na OMC significa a remoção das "últimas barreiras entre a China e as forças da globalização", comentou o correspondente veterano sobre a China no The Guardian, John Gittings. Estas duas decisões históricas compartilham de um propósito estratégico similar – amarrar mais firmemente a China como um "acionista" no sistema capitalista global.
Para os líderes da China, ambas as decisões foram vistas como importantes pilares para a continuação de sua política de "reforma e abertura" cada vez mais neoliberal. Como C. Fred Bergsten aponta em Foreign Affairs (julho de 2008): "Pequim não apenas suportou extensas negociações e uma lista sempre crescente de exigências para se unir à OMC, mas também usou as regras pró-mercado daquela instituição para superar a resistência entre os linha-duras dentro da própria China".
Esta política, incluindo a privatização e fechamento das antigas companhias estatais, e a "mercantilização" de serviços públicos como educação e saúde, estava nessa época encontrando a crescente resistência da classe trabalhadora. As noticias de que Pequim sediaria as Olimpíadas forneceram uma bem vinda distração pública para o regime, ajudando a "dourar a pílula" da globalização neoliberal. Enormes celebrações foram organizadas assim que a decisão do IOC tornou-se pública, com possivelmente 200.000 – a maioria das classes médias – lotando a praça Tiananmen em Pequim. Uma onda de orgulho nacionalista misturado com expectativa foi assim engendrada pelo governo sobre o tema de que a China estava "se unindo de novo ao mundo" – 'rushi' – e reclamando seu legítimo lugar como uma superpotência econômica. O representante olímpico de Pequim, Wang Wei, chamou isso de "outro marco fundamental na ascensão do status internacional da China e um evento histórico no grande renascimento da nação chinesa".
Como quase tudo o que o regime do PCC faz, seu foco principal é na situação interna. Como o The Economist explicou, "ele está mais preocupado com seus próprios problemas internos do que tentar influenciar países distantes". Para um partido governante autoritário lutando para manter o controle de uma sociedade complexa e fracionada e manter suas próprias forças unidas, os Jogos Olímpicos são uma arma ponderosa – o equivalente a "nacionalismo em esteróides". A probabilidade adicional de que a China tirará dos EUA o posto de campeão em medalhas será usada para projetar uma imagem de progresso social e econômico completo sob a direção da ditadura atual.
Multinacionais
O paradoxo de um regime nominalmente "comunista" que desfruta de um apoio enorme, quase servil, dos maiores líderes empresariais do mundo, é sintetizado nestas Olimpíadas. Um seleto grupo de 12 grandes multinacionais, que inclui Adidas, Coca Cola, Samsung e General Electric, pagou uma media de $72 milhões cada ao IOC para se tornarem os chamados patrocinadores de "primeira linha" dos Jogos de Pequim.
Para tais companhias, o patrocínio e a propaganda das Olimpíadas pode jogar um papel decisivo. Como o Diário do Povo comentou, "Os Jogos Olímpicos são mais do que uma arena de esportes, são também um campo de batalha para as multinacionais". A Kodak dos EUA usou seu patrocínio dos Jogos de Inverno de Nagano em 1998 como uma alavanca para abrir a mercado japonês de filmes fotográficos, anteriormente monopolizado pela Fuji. O patrocínio da Visa International de cada Olimpíada desde 1986 ajudou a desalojar a American Express como a companhia de cartões de crédito dirigente nos Estados Unidos. Nas regras das Olimpíadas, apenas uma companhia de cada setor corporativo é aceita como patrocinadora de "primeira linha". Isso explica por que a Pepsi Co. sempre foi excluída – a Coca Cola tem estado associada com cada Jogo Olímpico desde 1928. Esse acordo exclusivo se estende ao anúncio e vendas em todas as instalações olímpicas, onde a Coca tem um monopólio. A campanha de propaganda da Visa na época dos Jogos de Calgary dizia: "Nas Olimpíadas de Inverno de 1988, eles honrarão a velocidade, a perseverança e a habilidade. Mas não a American Express."
Essa batalha mudou-se para o solo chinês, onde ela ofusca completamente os próprios Jogos. "Os patrocinadores olímpicos globais têm enormes orçamentos para o marketing na China", disse um grande anunciante em Hong Kong. "Quando a tocha estiver na China, em cada cidade que ela passar estará cheia de marcas dos patrocinadores", ele disse. Essa é uma importante razão porque os planejadores chineses optaram pela mais longa trajetória da tocha na história das Olimpíadas, cobrindo 137.000 quilômetros, ou três vezes e meia a circunferência da Terra. Essa "Jornada da Harmonia", como a chama o regime chinês, transformou-se em uma farsa fortemente protegida, levando alguns porta-vozes olímpicos a concluir que a passagem da tocha pode ter passado de sua "data validade". Historicamente, antes de se tornar uma festa de propaganda, a passagem da tocha começou em 1936 como um símbolo do triunfalismo nazista. Esse ritual não tinha nada a ver com o internacionalismo. Pelo contrário, é um indício da forte conexão histórica entre o movimento olímpico e regimes fascistas e autoritários.
"A idéia de acender a tocha no sítio olímpico ancestral na Grécia e então passar por diferentes países tem origens muito obscuras. Ela foi inventada nesta forma moderna pelos organizadores das Olimpíadas de 1936 em Berlim. E foi planejada com imenso cuidado pela direção nazista para projetar a imagem do Terceiro Reich como um estado moderno, economicamente dinâmico e com crescente influência internacional [BBC, 5 de abril de 2008].
Na China, o governo tem atiçado a "febre olímpica" numa tentativa de neutralizar o crescente descontentamento que coloca uma ameaça cada vez mais séria ao seu domínio. Além disso, o regime espera que as Olimpíadas ajudarão a acionar um boom de consumo, para agir como um "para choques" para a demanda externa em declínio a medida que a economia global desacelera. A China sofre de um nível anormalmente baixo de consumo – até os indianos consomem uma fatia maior do Produto Interno Bruto (PIB). Isso por que os níveis salariais não mantiveram o passo com o crescimento total da economia. Como parcela do PIB, os salários caíram de 53% em 1998 para 41% em 2007, um dos mais agudos declínios do mundo (e isso durante a preparação para os Jogos de Pequim). Junto com as massivas campanhas de vendas pelos patrocinadores multinacionais olímpicos, mais de 5.000 produtos foram despejados no mercado com a marca das Olimpíadas de Pequim. Isso inclui roupas, mascotes oficiais, chaveiros e até palitinhos comemorativos. Vários desses produtos olímpicos oficiais foram feitos em fábricas que usam trabalho infantil ou violam outras leis.
Cada uma das companhias do 'TOP' (o Programa Olímpico de Parcerias) fez uma enorme aposta na China, e espera que o investimento nas Olimpíadas de Pequim seja recompensado com uma fatia maior do mercado. A Coca Cola domina o mercado de refrigerantes chinês e foi a primeira companhia Americana a se estabelecer na China em 1979, quando Deng Xiaoping reabriu o país para as companhias estrangeiras. A Coca Cola tem 30.000 empregados na China, que é o seu quarto maior mercado – e o mais lucrativo. A General Electric, outra companhia 'TOP', está fornecendo sistemas de energia e iluminação para os Jogos de Pequim. Ela também possui investimentos na NBC Universal, que detém direitos exclusivos de transmissão por TV das Olimpíadas nos Estados Unidos, pelos quais ela pagou aproximadamente $900 milhões. As vendas da GE na China cresceram quarto vezes em 2001-06.
Caça-Sindicatos
A Adidas, outra patrocinadora 'TOP' de longo prazo, viu suas vendas na China crescerem em 45% em 2007, comparadas com o crescimento de 5% na Europa. A Adidas tem a meta de uma movimentação de vendas de um bilhão de euros na China em 2010. A gigante esportiva alemã também contrata a maioria de sua produção da China, mas aqui estamos discutindo um segmento inteiramente diferente da população chinesa. Os operários fabris migrantes que fazem os tênis da Adidas em condições sub-humanas poderiam muito habitar outro planeta diferente daquela minúscula camada de compradores conscientes de marcas chineses de classe média para quem a Adidas lança seus anúncios.
A Adidas retira mais da metade de sua produção global de países onde os sindicatos são banidos, principalmente a China. As terríveis condições dos terceirizados chineses da companhia foram mostradas em um artigo do Sunday Times (Grã Bretanha), sobre "três fábricas parceiras há muito estabelecidas" da Adidas em Fuzhou, sul da China. Os trabalhadores se queixavam de horas extras forçadas e de salariais abaixo do mínimo legal. Eles recebiam apenas 570 yuan (83 dólares) por mês em 2007 – mal podendo comprar um par de tênis da Adidas. Essa reportagem também mostrou que o sindicato controlado pelo estado chinês, o ACFTU, "era amplamente acusado de não fazer nada". Quando os operários fizeram uma greve em 2006, foram todos sumariamente demitidos.
A Adidas não é exceção. Os patrocinadores olímpicos de "primeira linha" formam uma infame galeria de caça-sindicatos. A gigante eletrônica Samsung é outro exemplo infame. A companhia foi multada na Coréia do Sul por uma série de atividades ilegais envolvendo chantagem e subornos para fazer ativistas sindicais se demitirem. Ela, a mais ponderosa dos conglomerados 'chaebol' do país, foi por muito tempo um pilar do antigo regime militar da Coréia do Sul. Um editorial em Hyankoreh disse da Samsung: "Em uma república democrática você tem um líder mundial em tecnologia avançada usando primitivas táticas anti-sindicais dos anos de desenvolvimento da ditadura".
Igualmente, a Coca Cola foi acusada de atividades caça-sindicatos na Colômbia, Paquistão, Turquia, Guatemala e Nicarágua. Uma ação judicial foi iniciada contra a companhia por sindicatos colombianos em 2001, nos termos de que os engarrafadores da Coca "tinham contratado ou de outra forma dirigido forças paramilitares de segurança, que utilizaram de extrema violência e assassinaram, torturaam, prenderam ilegalmente ou silenciaram de outros modos líderes sindicais". A influência do lobby da Coca Cola sobre os administradores das Olimpíada foi demonstrada quando Atlanta, onde está a sede da companhia, foi escolhida para os Jogos de 1996. Isso apenas doze anos depois que outra cidade Americana, Los Angeles, sediou os Jogos. Outra patrocinadora olímpica de "primeira linha", o McDonald's, é o arquétipo de companhia caça-sindicato. Um seminário internacional sobre as práticas trabalhistas do McDonald's, organizado pela Confederação Internacional de Sindicatos Livres (CISL) em 2002, concluiu que: "O McDonald's tende a usar os padrões mínimos ou as exigências legais mínimas ao fixar salários, práticas de saúde e segurança, tem uma propensão a usar medidas anti-sindicais, incluindo isolamento, perseguição e demissão de funcionários que são membros ou apoiadores de sindicatos".
"Esporte, não política"
Na China também, o McDonald's esteve no centro de um grande escândalo, quando foi descoberto que ele pagava aos jovens trabalhadores 40% menos do já baixo salário mínimo. Vários governos provinciais foram obrigados pela massiva publicidade negativa a investigar a gigante de fast-food. Mas embora tenham confirmado que o McDonald's violou o código trabalhista da China em várias áreas, eles se recusaram a reconhecê-la culpada de violar as regras do salário mínimo. Este caso (relatado em chinaworker.info – China's 'McScandal' shows the need for real trade unions, 22 de maio de 2007) resultou o ACFTU títere negociando seus primeiros acordos de reconhecimento syndical com o McDonald's, mas é claro com representantes da gerência apontados para dirigir suas seções sindicais. Esta é a prática normal da ACFTU. É chamada de "sindicalismo com características chinesas"!
A propensão anti-sindical destes patrocinadores olímpicos harmoniza-se com uma longa tradição do IOC de apoio a causas e regimes reacionários e anti-trabalhadores. Afirmar, como fazem o IOC, os patrocinadores e o regime chinês, que as Olimpíadas são apenas esporte, não política, é totalmente falso e ignora a história altamente política dos Jogos. A decisão do regime chinês de levar a passagem da tocha pelas regiões inquietas do Tibet e de Xinjiang não pode ser descrita como "apolítica". Enquanto a tocha passava pela capital tibetana de Lhasa em junho, com a maioria dos tibetanos sob o toque de recolher, incapazes de vê-la, o chefe do Partido Comunista do Tibet, Zhang Qingli, fez um discurso onde ele disse que os adversários dos Jogos Olímpicos – e do PCC – seriam "esmagados". Um embaraçado IOC foi obrigado a fazer uma rara repreensão ao governo chinês, reiterando que ele devia "separar o esporte da política".
De fato, muitas Olimpíadas foram cercadas por controvérsias políticas. Berlim 1936, Munique 1972, Cidade do México 1968, Moscou 1980, Los Angeles 1984; a lista é longa. Pouco antes dos Jogos Olímpicos começarem na cidade do México, estudantes ocuparam suas universidades exigindo um fim ao governo de partido único. Isso levou ao "Massacre de Tlatelolco", no qual dezenas de jovens manifestantes foram baleados e mortos pelos militares, determinados a restaurar a "ordem" para o começo dos Jogos. Mais uma vez, os organizadores olímpicos se esconderam por trás de seu mantra "separar o esporte da política": o presidente do México Gustavo Díaz Ordaz, o sangue ainda fresco em suas mãos, presidiu a cerimônia de abertura das Olimpíadas com os dignitários estrangeiros convidados. Mas quando os atletas afro-americanos Tommie Smith e John Carlos fizeram sua famosa saudação anti-racista de luvas negras do pódio das medalhas na Cidade do México, eles foram expulsos dos Jogos sob as ordens do presidente do IOC Avery Brundage.
O IOC e seus apoiadores têm duas caras. Quando lidam com ditadores, eles justificam isso com argumentos de que as Olimpíadas podem ajudar a promover a democracia e os direitos humanos. Em outras palavra, eles afirmam um raciocínio explicitamente político. Mas quando isso mostra ser falso, como na China hoje, eles respondem que as Olimpíadas são uma organização esportiva, não política. Jacques Rogge, o atual presidente do IOC, fez a afirmação absurda de que as Olimpíadas de Seul em 1988 ajudaram a transformar a Coréia do Sul, então uma ditadura, em uma "vibrante democracia". Segundo Rogge, "Os jogos tiveram um papel fundamental, de novo pela presença da mídia". [Financial Times, 26 de abril de 2008]
Na vida real, o regime militar sul-coreano foi tirada do poder por uma onda de greves e manifestações de massas que eclodiram em 1987 (um ano antes das Olimpíadas) e continuaram apesar da enorme repressão dos próximos três anos. Isso é uma importante lição para a China, mostrando o papel decisivo da luta de massas dos trabalhadores na resistência à ditadura. Quando chegar a luta pelos direitos democráticos, as Olimpíadas são uma parte do problema ao invés da solução. Em um relatório recente, a Anistia Internacional alerta: "Sediar os Jogos Olímpicos se tornou uma desculpa mal-encoberta para limitar a liberdade de expressão e de reunião". [What human rights legacy for the Pequim Olympics? Amnesty International, 1º de abril de 2008]
Com uma estimativa de 150 pessoas mortas pelas forças de segurança nas áreas tibetanas, 2008 já é o pior ano de repressão estatal na China desde 1989. Aniquilando os argumentos do IOC e de seus apologistas, o relatório da Anistia declara "grande parte da atual repressão contra ativistas e jornalistas está ocorrendo não apesar de, mas realmente por causa das Olimpíadas".
O estado chinês também não está agindo sozinho como é seu costume para restringir a oposição em potencial. A Interpol concordou em cooperar com as autoridades chinesas, abrindo seus arquivos para "ajudar a China a assegurar que baderneiro não entrem". Ostensivamente estas medidas são dirigidas contra os 'terroristas' de Xinjiang e do Tibet (apesar da falta de evidências de que tal ameaça terrorista exista). Como o famoso dissidente Hu Jia comentou: "As maiores ameaças não são necessariamente terroristas ou criminosos, mas aqueles que revelam os problemas sociais da China e protestam contra o governo".
O IOC tem uma tradição de racismo, anti-comunismo e apoio a regimes autoritários que vem dês da sua origem. Os apoio dos líderes da China a essa organização fala muito sobre qual é a sua posição. O fundador do moderno movimento olímpico, em 1896, foi o aristocrata francês Pierre de Coubertin. Sua visão não era de um movimento esportivo popular para as massas, mas um quase exclusivamente para os ricos ociosos e para a casta de oficiais militares. Na opinião de nobres como de Coubertin, as "classes baixas" são incapazes de apreender a concepção de "jogo justo". As mulheres, enquanto isso, eram vistas como completamente inadequadas para o mundo dos esportes – uma opinião que pouco mudou até a Segunda Guerra Mundial. Mesmo as Olimpíadas de Londres de 1948, as mulheres atletas eram inferiores em número aos homens em dez para um. Mais atletas afro-americanos competiram nos Jogos de Berlim de 1936 do que na de Los Angeles quarto anos antes, por causa do racismo institucionalizado nos EUA, que mantinha a maioria dos esportes segregados até os anos 50, e inspirou o "protesto silencioso" em 1968 de Smith e Carlos.
O Barão de Coubertin era um "grande patriota francês", que não obstante tornou-se um convicto admirador do regime nazista na Alemanha. Por ocasião de sua morte em 1937, ele doou a coleção literária de toda a sua vida para o governo de Hitler. Em uma bizarra homenagem, seis meses depois de sua morte, o cadáver de Coubertin foi desenterrado em Lausanne, Suíça, e seu coração foi exumado e transportado para Olímpia, na Grécia. Lá, ele foi enterrado em uma cerimônia atendida por seu amigo de longa data, o oficial nazistas e organizador dos Jogos de Berlim de 1936, Carl Diem.
Tradição Autoritária
O IOC escolheu Berlim pra os Jogos de 1936 dois anos antes de Games Hitler chegar ao poder, em janeiro de 1933. Ao invés de expressar remorso, os líderes do IOC mais tarde – e veementemente – defenderam o direito dos nazistas de sediar os Jogos. À medida que surgiam as notícias do terror nazistas contra os sindicalistas, comunistas, socialistas e judeus, crescia o chamado para um boicote aos jogos de Berlim, especialmente nos EUA, Grã-Bretanha, França, Suécia, Tchecoslováquia e Países Baixos. Uma pesquisa de opinião em 1934 mostrou que 42% dos americanos apoiavam um boicote olímpico. Face a uma crise, o Comitê Olímpico dos EUA enviou seu presidente, Avery Brundage, à Alemanha para avaliar se os Jogos seriam realizados de acordo com os "princípios olímpicos". Na verdade, a missão de Brundage foi uma manobra consciente para desorganizar a campanha de boicote, com Brundage acusando os "judeus e comunistas". Durante sua visita, em setembro de 1934, ele se encontrou com atletas judeus na presença de três altos líderes do partido nazista, um em uniforme da SS com uma pistola. Os atletas judeus temiam por sua vidas e não se atreveram a proferir uma crítica ao regime nazista nesta entrevista. Brundage voltou aos EUA dando todo o seu endosso aos Jogos de Berlim.
Brundage, que depois se tornou presidente do IOC (1952-72), era também um admirador de Hitler e abertamente anti-semita. Ele citava Mein Kampf como sua "inspiração espiritual". Seu amigo, o capitalista sueco Sigfrid Edström, que também se tornou presidente do IOC (1946-52), era outro simpatizante fascista. Em 1934, enquanto se discutia a questão do boicote, Edström escreveu a Brundage: "A oposição nazista à influência dos judeus pode apenas ser entendida se você viver na Alemanha. Em alguns dos mais importantes comércios, os judeus governam a maioria e impedem todos os outros de entrarem… Muitos desses judeus são de origem polonesa ou russa, com mentes inteiramente diferentes da mente ocidental. Uma alteração destas condições é absolutamente necessária se a Alemanha quiser continuar uma nação 'branca' [Carta de Edström a Brundage, 8 de fevereiro de 1934, dos Arquivos Nacionais da Suécia].
Depois dos Jogos de Berlim, Edström, então vice-presidente do IOC, compareceu a um comício do partido nazista em Nuremberg e depois declarou: "Foi um dos maiores shows que eu já vi… Ele [Hitler] é provavelmente um dos indivíduos mais poderosos e mais fortemente apoiados que a história humana já conheceu. Eu estou certo que 60 milhões de pessoas estão desejando morrer por ele e querem fazer qualquer coisa que ele pedir". Mostrando que Berlim não era uma aberração, o IOC decidiu um ano depois sediar as Olimpíadas de 1940 no Japão. Esta Olimpíada nunca ocorreu por causa da guerra. A decisão do IOC de promover outro regime militarista e furiosamente anti-comunista foi tomada com total conhecimento das atrocidades japonesas na China, que seus exércitos ocuparam em 1931.
Havia uma camada considerável de industriais e políticos capitalistas que viam favoravelmente a Alemanha, o Japão e outros regimes autoritários ou fascistas, como baluartes contra o alastramento do 'comunismo'. Apenas quando as ambições imperialistas de Hitler e do Imperador japonês chocaram-se com as suas próprias, é que as "democracias" capitalistas recorreram à retórica 'anti-nazista' e à Guerra. O paralelo com a China hoje, é que um grande segmento dos capitalistas internacionalmente vêem o atual regime, comunista apenas no nome, como sua melhor esperança de manter a China "aberta" ao capitalismo global e segurar sua enorme e cada vez mais resistente classe trabalhadora. É por isso que eles entusiasticamente apóiam a ditadura chinesa para sediar as Olimpíadas.
Depois da Segunda Guerra Mundial tanto Edström quanto Brundage usaram suas posições no IOC para tentar libertar criminosos de Guerra nazistas condenados. A mais famosa foi sua campanha para libertar de uma prisão russa Karl Ritter von Halt, que era o membro alemão do IOC até o fim da Guerra, e também uma figura dirigente no regime de Hitler. Ritter von Halt foi solto em 1951, como parte do acordo que via a União Soviética admitida no movimento olímpico pela primeira vez.
Brundage continuou a defender causas de direita por todo o seu mandato como presidente do IOC. Ele foi um grande apoiador da caça às bruxas anti-comunista do Senator McCarthy nos anos 50 e criticou o presidente Eisenhower por encerrar a Guerra da Coréia, que Brundage chamou de um "ato vergonhoso para todos os brancos na Ásia". O pedido para a demissão de Brundage como chefe do movimento olímpico foi uma das demandas levantadas por Tommy Smith e John Carlos em seu protesto de 1968 (eles também exigiram que título de campeão mundial dos peso-pesados de Muhammad Ali fosse devolvido).
Em 1980, Juan Antonio Samaranch, supostamente o mais poderoso dos presidentes do IOC, tomou posse. Ele descrevia a si mesmo como "100% franquista" – uma referência ao ditador fascista da Espanha. A biografia oficial de Samaranch, publicada pelo IOC, não diz uma palavra sobre sua longa carreira política – que ele foi um deputado fascista nas Cortes e depois Ministro dos Esportes na ditadura de Franco. Foi neste período que Samaranch desenvolveu fortes conexões com Horst Dassler, herdeiro do império Adidas e uma figura por trás das cenas essencial no movimento olímpico. Nos anos 60, os tênis pretos e brancos da Adidas eram feitas por prisioneiros das prisões espanholas, sob um contrato negociado com a ajuda de Samaranch. Este uso do trabalho forçado de presos foi um protótipo – em uma escala muito menor – da cadeia de produção globalizada com trabalho escravo de hoje.
http://www.sr-cio.org/index.php?option=com_content&view=article&id=407:as-olimpiadas-grandes-negocios-e-ditadura

COLÔMBIA

As confissões de um paramilitar colombiano

Herbert Veloza, ex-chefe paramilitar colombiano, admite ter assassinado três mil pessoas e revela vínculos com políticos ligados ao governo, militares e policiais. Mais de 60 congressistas da base governista de Álvaro Uribe estão sendo investigados pela Corte Suprema de Justiça e pelo Ministério Público colombiano por vínculos com os paramilitares.
Claudia Jardim - Agência Brasil de Fato
CARACAS - O ex-chefe paramilitar colombiano Hebert Veloza admitiu ter sido responsável junto com seu grupo armado pelo assassinato de mais de três mil pessoas entre os anos de 1994 e 2003. "Calculo que meus dois grupos assassinaram 3 mil pessoas ou mais. Muitos deles eram atirados ao [rio] Cauca", respondeu ao ser questionado quantas pessoas havia matado.HH, como ficou conhecido Veloza, também reconheceu que morreram mais inocentes que culpados. "Mas assim é a guerra", afirmou em entrevista ao jornal colombiano El Espectador publicada neste domingo. "Matamos muita gente só pelo fato de que eram apontadas", em referência às pessoas que são identificadas como colaboradores ou simpatizantes das guerrilhas colombianas.Massacres HH, que foi considerado como um dos mais temidos chefes das paramilitares Autodefesas Unidas de Colombia (AUC), disse ter utilizado a "decapitação" para aterrorizar as comunidades. "Quando chegamos a Urabá decapitamos muita gente, era uma estratégia para promover o terror, para que tivessem mais medo de nós do que da guerrilha".O paramilitar ingressou no controvertido programa de desmobilização encabeçado pelo governo de Álvaro Uribe, mas perdeu sua condição de "desmobilizado" quando fugiu e teria reingressado aos cartéis armados. Agora, encontra-se preso e aguarda o andamento de seu processo de extradição aos Estados Unidos para ali ser julgado pelo crime de narcotráfico. O ex-chefe paramilitar revelou também que o grupo atuava em cumplicidade com as autoridades locais para promover os assassinatos." Em Urabá, quando começamos, deixávamos os corpos onde as pessoas eram mortas", relata. "Depois de um tempo o poder público começou a pressionar e (disseram) que nos deixariam continuar trabalhando, mas tínhamos que desaparecer com as pessoas. Assim começaram a surgir as fossas comuns", afirmou."Assassinávamos pessoas todos os dias, em todos os municípios de Urabá", acrescentou. Foram nestes mesmos departamentos (estados) de Córdoba e Urabá que se constituíram em 1998, sob o auspício do Estado colombiano, as AUC com o objetivo de combater as guerrilhas FARC e ELN.ParapolíticaNa entrevista, HH confirmou as ligações de políticos, militares e policiais colombiano com os paramilitares ao afirmar que "os políticos se utilizaram das Autodefesas para alcançar seus objetivos". "Fazem qualquer coisa para chegar ao poder. Nos procuravam para que os apoiássemos, sabendo que éramos ilegais", afirmou.Mais de 60 congressistas da base governista de Álvaro Uribe estão sendo investigados pela Corte Suprema de Justiça e pelo Ministério Público colombiano por vínculos com paramilitares. Deste grupo de parlamentares, 30 já foram condenados e estão na cadeia.O escândalo da parapolítica ocorre em meio a uma tentativa de reforma do Judiciário que visa implementar a "imunidade parlamentar" na atual legislatura, fato que na opinião de analistas poderia coibir o julgamento de outros envolvidos com paramilitares.Ainda na entrevista, o ex-chefe paramilitar HH afirmou que, com sua extradição e a de outros chefes da extrema-direita armada para os Estados Unidos, as vítimas "ficarão sem as verdades". "Uma guerra tão longa e tão atroz não se conta em um mês ou dois meses. Há gente que diz que a verdade não está sendo contada", disse. HH revelou que "há muitos militares que estão incomodados" em referência as possíveis declarações dos ex-chefes paramilitares que estão presos.

As feridas abertas da ditadura


por Michelle Amaral da Silva — Última modificação 13/08/2008 12:20
Para historiador, impunidade dos que torturaram e assassinaram durante o regime militar criou uma cultura político-policial que legitima na prática a ilegalidade exercitada ainda hoje pelos agentes do Estado


Tatiana Merlino,
da Redação

A legislação internacional define a tortura como crime contra a humanidade, não sendo possível que o Brasil, que é signatário dos tratados internacionais de direitos humanos, proteja agentes do Estado responsáveis por torturas, seqüestros e assassinatos. A opinião é do historiador Marcelo Badaró Mattos, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), a respeito da demora do país em reconhecer que crimes contra a humanidade, como a tortura, não podem ser anistiados.
O Brasil é o mais atrasado dos países do Cone Sul no que se refere à responsabilização penal de torturadores. A discussão sobre a interpretação da Lei de Anistia, recentemente levantada pelos ministros da Justiça, Tarso Genro, e da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Paulo Vanucchi, gerou uma reação virulenta dos militares.
No dia 7, os oficiais da reserva organizaram uma reunião no Clube Militar do Rio de Janeiro, onde compareceram, entre eles, Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel reformado do Exército, que comandou no início dos anos 70, o DOI-Codi de São Paulo, órgão de repressão do regime. O oficial está sendo acusado pelo Ministério Público Federal pela prática de tortura, seqüestro e assassinatos na época da ditadura e também é réu em duas ações movidas pelas famílias Teles e do jornalista Luiz Eduardo Merlino.
O tom do encontro foi de defesa do regime militar. “Há nomes de terroristas que ensangüentaram nosso país, matando mais de cem pessoas. Em respeito à Lei da Anistia não vou citá-los. Muitos deles estão ocupando hoje cargos públicos”, disse o general da reserva Sérgio de Avellar Coutinho. Realizado para discutir a Lei de Anistia, as falas dos oficiais da reserva foram marcadas por ataques: “Isso faz parte de um revanchismo organizado que começa depois de 1979 no nosso país", disse Coutinho, referindo-se ao ano de promulgação da lei.(Veja a íntegra dos discursos proferidos no Clube Militar).
Em bate-boca com os manifestantes do Grupo Tortura Nunca Mais e da União Nacional dos Estudantes (UNE) que protestavam em frente ao Clube Militar, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), presente ao evento, afirmou: “o grande erro foi ter torturado e não matado".
Em entrevista, Marcelo Badaró rebate a tese de revanchismo, sustentada pelos militares: “A punição dos crimes dos agentes da ditadura não é uma reivindicação apenas dos que lutaram contra a ditadura. Ela é uma necessidade sentida por todos aqueles que querem realmente acertar o compasso da história em nosso país”.
Brasil de Fato – Como o senhor avalia a iniciativa do Ministério da Justiça de promover uma audiência para discutir a punição dos agentes do Estado que cometeram crimes durante a ditadura militar?
Marcelo Badaró – É muito importante que essa discussão aconteça, particularmente por iniciativa de uma instância de primeiro escalão do governo federal. Sabemos, no entanto, que, nos últimos anos, todas as discussões levantadas – mesmo de dentro do governo –sobre os crimes cometidos pelos agentes da ditadura foram logo em seguida esquecidas pela pressão dos militares e dos setores da classe dominante que sustentaram aqueles governos.
Logo após a realização da audiência, os militares e os jornais da imprensa corporativa criticaram o fato de na ocasião não ter se discutido os crimes da resistência armada à ditadura. Qual a sua opinião sobre esse debate que surgiu de, "se vamos responsabilizar os militares, também temos que fazer o mesmo com a esquerda armada"?
Os setores que desenvolveram ações de resistência contra a ditadura – armados ou não – sofreram prisões, exílio, morte, cassação de direitos políticos, aposentadorias e reformas. Foram homens e mulheres que se organizaram para defender a redemocratização do país e, em certos casos, acreditando que a restauração da democracia poderia ser um passo na direção da superação do capitalismo. E sofreram as mais duras punições por isso. Já os agentes do Estado que torturaram e assassinaram militantes de esquerda transgrediram até mesmo a legislação que a ditadura implantou (como a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969), que definiam a tortura como crime. A comparação, por isso mesmo, é totalmente descabida.
É possível dizer que é revanchismo tentar punir crimes de agentes que praticavam tortura durante o regime militar?
A punição dos crimes dos agentes da ditadura não é uma reivindicação apenas dos que lutaram contra a ditadura. Ela é uma necessidade sentida por todos aqueles que querem realmente acertar o compasso da história em nosso país. A impunidade dos que torturaram e assassinaram em nome do Estado na ditadura civil-militar instalada em 1964 (como antes a dos que torturaram e assassinaram no primeiro governo Vargas) criou uma cultura político-policial que legitima na prática a ilegalidade constantemente exercitada ainda hoje pelos agentes do Estado (polícias, forças armadas, órgãos de informação), quando torturam e executam cidadãos (criminosos ou não), sob o argumento de que estão combatendo o crime. Essa é uma exigência que faço eu, que não tinha idade para lutar contra a ditadura, e faz meu filho, que nasceu depois do fim do regime, porque deve ser assumida como base mínima para a qualificação da democracia no Brasil, longe estando de ser “revanchismo” dos ex-militantes. Até porque basta olhar para constatar que muitos dos que lutaram contra a ditadura agora compactuam com a impunidade dos criminosos.
Um dos argumentos utilizados pelos que defendem os militares é de que eles são protegidos pela Lei de Anistia (essa é a linha de defesa do advogado do coronel Ustra nas ações movidas tanto pelo Ministério Público Federal, quanto pelas famílias Teles e Merlino). No entanto, de acordo com juristas, como Hélio Bicudo e Fábio Comparato, essa lei foi mal interpretada e não protege os agentes do Estado que cometeram crimes. Qual sua opinião sobre o assunto?
A Lei da Anistia define anistia para crimes políticos. Tortura e assassinato são crimes comuns. Além disso, a legislação internacional classifica a tortura como crime contra a humanidade, não sendo possível que a legislação do Brasil, que é signatário dos tratados internacionais de direitos humanos, proteja esse tipo de criminoso.
Enquanto na Argentina e Chile, por exemplo, os responsáveis por torturas, seqüestros e assassinatos durante os regimes militares estão sendo presos, no Brasil existe uma dificuldade até mesmo para processá-los em ações na área cível. Por que o páis é o mais atrasado do Cone Sul em relação a isso?
Podemos explicar esse atraso por diversos fatores. Três deles me parecem mais relevantes. O primeiro é o fato de que os militares brasileiros foram bem sucedidos em deixar o poder mantendo durante um bom tempo a tutela sobre a redemocratização, além de preservarem na Constituição de 1988 a prerrogativa de “defesa da lei e da ordem”, que já havia servido de pretexto para o golpe de 1964.
Um segundo fator decorre do fato de que, no Brasil, o conjunto dos políticos e tecno-empresários que atuaram desde 1964 no interior dos governos ditatoriais também mantiveram seus espaços de poder intocados. Não é pouco perceber que, por exemplo, Reinold Stephanes [ministro da Agricultura] tenha sido diretor do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] no governo Médici [1969-1974], presidente do INPS [Instituto Nacional de Previdência Social] (cargo que tinha status de Ministério) no governo Geisel [1974-1979] e depois do fim da ditadura foi ministro simplesmente de todos os presidentes eleitos – Collor [1990-1992], FHC [1995-2002] e Lula.
Por fim, a ditadura no Brasil foi a primeira a se instalar, a mais longa e a que primeiro aplicou os métodos de “combate ao inimigo interno” aprendidos com os militares americanos (também com franceses), mas, até por isso, foi a que proporcionalmente menos matou entre as ditaduras do Cone Sul. No Chile e na Argentina, o número de mortos, desaparecidos, crianças seqüestradas – e, portanto, de familiares atingidos – foi bem maior e talvez por isso, desde os anos finais das ditaduras, a luta pela punição dos seus agentes criminosos mobilizou significativos setores sociais. Mas, como eu disse, aqui como lá, essa não é uma luta apenas das vítimas dos crimes daquela época, mas de todos nós.
Dias após as declarações de Tarso Genro e Paulo Vanucchi, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse que a posição de ambos era "isolada" e que não era consenso no governo. Como avalia o comportamento do governo federal em relação ao tema?
Como eu disse na primeira resposta, o governo Lula concretamente fez muito pouco nessa área. Basta lembrar o debate sobre a abertura dos arquivos da ditadura, até hoje incompleta.
Após as denúncias do presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos em 2004 – João Luiz Duboc Pinaud – que se demitiu denunciando o descompromisso do governo com o resgate da história do período, houve certo debate público sobre o decreto do fim do mandato de FHC que praticamente blindou a documentação da época. O resultado foi uma medida provisória de Lula, em 2005, criando procedimentos para abrir a documentação que resultou em quase nada, pois pouquíssimos documentos foram abertos para consulta desde então e manteve-se a prerrogativa de fechar o acesso a documentos por 30 anos (renováveis por mais 30), a partir de avaliação de uma comissão toda ela composta por ocupantes de cargos do governo.
Então, não é de estranhar que agora a declaração de Tarso Genro seja logo rebatida – e a tendência, a não ser que produzamos uma mobilização contundente, é de que seja esquecida – pelo ministro da Defesa que, sabemos muito bem, serve na maior parte das vezes como simples porta-voz dos comandantes militares (ou se não servir assim, perde o cargo).

Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis

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Comunidade no Orkut: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=49200897

Analisaremos o conteúdo e postaremos conforme aprovada pelo conselho de redação.


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