O monopólio dos fertilizantes decretou esses aumentos em escala planetária. Os produtores ficaram impossibilitados de adquirir as quantidades necessárias e tudo desembocou em uma explosão dos preços dos alimentos. Configurou-se uma crise mundial que desde 2002 vem matando, na África, nada menos de 12 milhões de seres humanos, anualmente
Archibaldo Figueira

28-Ago-2008

Em 2008, a safra nacional de cereais, leguminosas e oleaginosas será em torno de 144 milhões de toneladas, registrando aumento de 7,9% em relação ao ano anterior. Os benefícios desta pujança, porém, não ficarão para os brasileiros, mas para o monopólio que controla a produção e o comércio agrícola do mundo inteiro ? 40 grupos com sede na Europa e no USA e que se fazem presentes aqui desde o Século 19: Bunge, Monsanto, Cargill, Yara, Dreyfuss, Unilever, Nestlé, Potash, Mosaic e meia dúzia de outros.

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A despeito do recorde da produção, a área plantada de grãos (46,1 milhões de hectares) teve um aumento de apenas 3,9% em relação a 2007. A utilização maciça de fertilizantes importados resultou em ganho de produtividade principalmente nos cultivos de soja, milho e arroz, que ocupam as maiores áreas plantadas (respectivamente, 21,2; 14,4 e 2,9 milhões de hectares) e representam 90% da produção.
Produzir para quem?

O Brasil, cada vez mais condicionado a cultivar produtos agrícolas para atender interesses alienígenas em detrimento das necessidades internas, tornou-se o quarto consumidor mundial de fertilizantes, comprando no exterior mais de 70% do adubo que utiliza. Só que, na safra 2007/2008, Bunge, Yara e Mosaic enfiaram-lhe goela abaixo aumento de preço de 100%. Nos três últimos anos, 300%.

O monopólio dos fertilizantes decretou esses aumentos em escala planetária. Os produtores ficaram impossibilitados de adquirir as quantidades necessárias e tudo desembocou em uma explosão dos preços dos alimentos. Configurou-se uma crise mundial que desde 2002 vem matando, na África, nada menos de 12 milhões de seres humanos, anualmente.

A consequência é que já são quase 40 os países onde o povo se rebela devido à crise de alimentos. Os primeiros protestos tiveram lugar no México, no ano passado. Mais recentemente, houve tumulto no Egito, Marrocos, Haiti, Filipinas, Indonésia, Paquistão, Bangladesh, Malásia e toda a África Ocidental.

No USA, desesperados para repor os nutrientes do solo, milhares de fazendeiros de Iowa intensificaram a antiga prática de espalhar toneladas de esterco de porco nas suas plantações. Na Índia, o preço do fertilizante subsidiado para os agricultores disparou, provocando apelos por uma reforma da política agrícola. E na África, os planos para conter a fome com o aumento das safras ficaram subitamente ameaçados.

Para prevenir movimentos populares, alguns governos adotaram medidas pontuais: o Casaquistão suspendeu exportações de trigo; as Filipinas frearam a ação dos especuladores; e Argentina, Vietnã e Rússia restringiram as suas vendas de trigo, arroz e soja ao exterior. O Brasil, cuja mesa jamais dependeu tanto dos produtos de fora, limitou-se a cortar as exportações de arroz, a exemplo da Indonésia, aumentar a taxa de juros a pretexto de prevenir o retorno da inflação, e anunciar que o mega-pelego entronizado no Planalto determinou à Petrobrás, Vale e BNDES que encontrem maneiras de suprir cerca de 80% da demanda interna de fertilizantes.

O adubo é basicamente uma combinação de nutrientes adicionada ao solo para ajudar as plantas a crescer. Os três elementos mais importantes são nitrogênio, fósforo e potássio. Os dois últimos estão disponíveis há séculos, e atualmente provêm de minas. Mas o nitrogênio em uma forma que as plantas possam absorvê-lo era escasso. A falta de nitrogênio provocou safras magras durante séculos. Essa limitação acabou no início do século 20, com a invenção de uma técnica, atualmente alimentada principalmente com gás natural, que retira nitrogênio quimicamente inerte do ar e o converte em uma forma utilizável.

Até 1992, duas subsidiárias da Petrobras, a Ultrafértil e a Fosfértil, comandavam a produção de fertilizantes no país. No ano seguinte, a gerência Collor desencadeou o processo de desnacionalização daquelas duas empresas, colocando os agricultores brasileiros à mercê dos interesses dos grandes grupos transnacionais. Ora, se hoje a soja e o milho tem picos de alta, o setor de fertilizantes sempre esteve em alta. Nem mesmo a queda do dólar beneficia os agricultores que pagam cada vez mais caro para nitrogenar suas terras.
O preço da especulação

Na verdade, o problema não é de falta de alimentos, é uma questão de política agrária. Para gáudio dos latifundiários, com a alta dos alimentos, o preço médio das terras destinadas à agropecuária no Brasil subiu 16,3% no segundo bimestre de 2008, ante o mesmo período de 2007, para R$ 4.135 por hectare, segundo o grupo Agra, um dos líderes em consultoria no agronegócio no mundo.

As áreas produtoras de grãos registraram valorizações maiores ainda. A analista Jacqueline Bierhals, da Agra, conta que no Paraná ? um dos líderes na produção de grãos do país ? houve negócio em Cascavel a R$ 34 mil por hectare, parcelado em três vezes. E comenta: "Tem até médico comprando terra por aqui." No Pará, Amazonas, Rondônia, Mato Grosso e Amapá tudo já se acha tomado por exploradores de todas as profissões, estabelecidos ou oriundos dos quatro cantos do mundo, e com o beneplácito das gerências que se proclamam nacionais.

O Brasil se orgulha de ser um país exportador de grãos. Calcula-se que a safra neste ano chegará a 139 milhões de toneladas. Parece muito. Mas é pouco. Os Estados Unidos, só de trigo produzem 150 milhões de toneladas. No Brasil existem terras ociosas, em toda parte. Por que não são cultivadas?

A crise atual denuncia o desvirtuamento da agricultura, em todo o seu processo produtivo, o que só poderá ser sanado com a revolução agrária e a recuperação da finalidade primordial da agricultura, que é a de produzir alimentos para satisfazer as necessidades do povo. E não fazer dela um mercado lucrativo para os que especulam com a fome das pessoas.

De qualquer forma, a anarquia da produção capitalista atingiu tal ponto que as leis de mercado funcionam ao contrário do que afirmam os economistas a seu serviço: a maior oferta, ou produção, junto com a menor capacidade de compra, não está resultando em queda de preços, mas o contrário. Isto se deve a uma razão muito simples: o chamado livre mercado produziu grande concentração de capitais e recursos em poucas mãos, ou seja, fortaleceu uns poucos que se fizeram donos do mundo e impõem os preços que bem entendem para manter seus ganhos elevados.

A crise de alimentos vem comprovar que a "globalização" não deu origem a maior concorrência, mas intensificou o controle imperialista do mundo por sete potências e 200 transnacionais que, com ajuda do Banco Mundial, do FMI, da OMC e organismos que lhes são agregados, através de governos subalternos vão perenizando o papel das semicolônias como países primário-exportadore http://www.jornalorebate.com.br/site/