17 de junho de 2009

PACOTE HABITACIONAL: A CIDADE BLOQUEADA AOS POBRES

"Construir moradias é produzir cidades. É essencial discutir os impactos dos empreendimentos imobiliários nas condições de vida, na instituição ou destituição de direitos sociais, no ordenamento territorial e no funcionamento das cidades."


Raquel Rolnik e Kazuo Nakano - "As armadilhas do pacote habitacional" - Le Monde Diplomatique Brasil, março 2009

A grave crise habitacional de nossas cidades tem como principal causa o bloqueio imposto ao acesso à terra urbanizada para a população de baixa renda.

O direito à cidade é negado a uma grande parcela da população, que está condenada a ocupar as "sobras" da cidade, os espaços precários e insalubres localizados nas beiras dos rios ou nas encostas dos morros. O modelo de desenvolvimento urbano que estrutura nossas cidades expulsa a população de baixa renda das áreas mais centrais, em direção à periferia, onde a terra é mais barata exatamente porque não reúne os requisitos mínimos para assegurar uma vida digna.

Mas, o direito à moradia pressupõe o acesso aos bens e serviços proporcionados pela cidade, a possibilidade de morar em área urbanizada, dotada de infra-estrutura, bem localizada, com acesso aos serviços de saúde, educação, aos bens culturais e às oportunidades de trabalho. Em resumo, o direito à moradia digna é indissociável do direito à cidade, e não pode, portanto, ser reduzido à habitação, entendida como quatro paredes e um teto.

Isso significa que uma política habitacional deve, necessariamente, prever a definição de áreas adequadas para a implantação de moradias populares. De outra forma, o resultado previsível é a reprodução do modelo que condena os trabalhadores a ocuparem a periferia, tal como na experiência vivida com o BNH.

Um aspecto importante para a compreensão do atual modelo de desenvolvimento urbano é o próprio conceito de déficit habitacional, que é traduzido pela necessidade de construção de novas unidades, por reposição ou incremento de estoque, e está estimado em 7,2 milhões de domicílios.

Mas, enquanto para as famílias de baixa renda há carência de habitações, no mercado formal há mais imóveis do que gente para ocupá-los, como demonstra o número de casas e apartamentos vazios, da ordem de 6,7 milhões de unidades, muito próximo ao déficit habitacional. Na cidade do Rio de Janeiro, o déficit habitacional é da ordem de 149 mil domicílios enquanto o número de domicílios vazios corresponde a 223 mil!

De onde se conclui que o conceito de déficit habitacional não significa que faltem moradias, mas sim que uma grande parcela da população não tem condições de ter acesso à moradia pelas regras do mercado, o que aumenta ainda mais a importância de uma política de habitação consistente que garanta o direito à moradia digna.

A avaliação sobre o pacote habitacional do governo federal deve levar em conta os dois objetivos anunciados: uma política social de geração de emprego e renda, por meio do investimento na construção civil, e uma política habitacional que contribua para a redução do déficit habitacional.

O primeiro objetivo está inserido em um conjunto mais amplo de iniciativas, que buscam dar uma resposta à repercussão no país da forte crise que se abateu sobre a economia mundial. A escolha do setor de construção civil, no caso, deve-se à sua importância relativa no conjunto da economia e à sua capacidade de gerar empregos.

O segundo objetivo vem cercado de números bastante expressivos: anuncia-se um investimento da ordem de R$ 34 bilhões na construção de 1 milhão de novas unidades, atendendo a famílias com renda de até 10 salários mínimos, sendo que 400 mil unidades são destinadas para famílias com renda de até 3 salários mínimos. A distribuição pelos estados respeita a composição do déficit habitacional. O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, será beneficiado com a construção de 75 mil novas moradias.

Há um esforço para demonstrar que esses dois objetivos estão articulados, ou seja, que os recursos utilizados para apoiar a construção civil resultarão em benefícios para a sociedade, na medida em que se propõe a enfrentar um grave problema social que afeta uma grande parcela da população. Entretanto, uma análise mais atenta sobre como o programa "Minha Casa, Minha Vida" insere-se na política de habitação e na política urbana revela graves problemas.

Nos últimos anos foram registrados importantes avanços institucionais e políticos, tendo como marco inaugural a Constituição Federal, quando definiu a função social da propriedade como princípio estruturador da política de desenvolvimento e expansão urbana.

O Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, viabilizou a aplicação de uma série de instrumentos de combate à especulação imobiliária, destacando-se aqueles que penalizam diretamente os proprietários do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que não promoverem seu adequado aproveitamento. Esses instrumentos ampliam a oferta e reduzem o preço da terra urbana, abrindo a possibilidade de o poder público atuar para liberar terrenos e prédios retidos pelos especuladores, destinando-os para o atendimento da demanda por moradia.

Destacam-se, também, os instrumentos de regularização fundiária, que permitem tanto reconhecer os direitos dos moradores das favelas e dos prédios ocupados, garantindo a segurança da posse e a urbanização e/ou melhoria dessas áreas e prédios, como destinar novas áreas, inseridas na malha urbana, para a implantação de programas de moradia.

Outro avanço importante foi a instituição do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social - SNHIS (Lei 11.124/2005), que funcionaria como uma espécie de "SUS" da área da habitação, contando com um Fundo (FNHIS) e um Conselho Gestor, com ramificações por todos os estados e municípios, e cujo propósito é promover a integração dos programas de habitação voltados para a população de baixa renda. A recente regulamentação do direito à assistência técnica pública e gratuita à moradia popular (Lei 11.888/2008) ampliou, ainda mais, o campo de possibilidades da política habitacional.

Entretanto, ao confrontarmos a concepção subjacente ao pacote habitacional com os elementos centrais que devem constituir uma política habitacional comprometida com a superação do modelo que está na origem do processo de segregação sócio-territorial presente nas nossas cidades, constataremos que as convergências são poucas ou praticamente inexistentes.

O pacote tem como foco a construção de unidades novas, em caráter exclusivo. Não há qualquer previsão para o aproveitamento de imóveis vazios e subutilizados; a reabilitação de imóveis; a adoção de novas modalidades de oferta de serviços habitacionais, como o aluguel subsidiado e a locação social; o incentivo à criação de cooperativas que promovam a produção social de moradias; a assistência técnica articulada com recursos para a autoconstrução. Não há, sequer, a exigência de que os empreendimentos sejam implantados em terrenos localizados em áreas urbanas consolidadas, e conforme previsão contida nos Planos Diretores.

O pacote ignora o SNHIS e sua rede de Conselhos implantada nos estados e nos municípios, bem como o diagnóstico e as recomendações do PLANHAB - Plano Nacional de Habitação. O princípio do planejamento, da integração das ações na área habitacional, foi absolutamente esquecido. Os recursos foram alocados em outro Fundo (FAR), sob outro sistema de gestão onde somente os Ministérios tem assento. O Conselho Nacional das Cidades foi "informado" sobre o pacote no dia de seu lançamento e, agora, terá o "direito" de ser informado sobre sua implantação.

O pacote tem nas construtoras seu principal agente, a quem cabe a apresentação dos projetos à CAIXA, com previsão de que sejam aprovados em até 30 dias (aliás, "agilidade" e "eficiência" são marcas valorizadas). Isso significa que os empreendimentos serão decididos pelas construtoras juntamente com a CAIXA, sem qualquer participação da sociedade.

Apesar de pontos positivos, como o volume significativo de recursos, com fortes subsídios para a população de baixa renda, e a inserção do tema da habitação na agenda política, não foi rompido o paradigma básico da produção habitacional para a população de baixa renda. Pelo contrário, o pacote habitacional foi estruturado segundo a mesma lógica que se pretendia ver superada a partir das lutas empreendidas pelo movimento da reforma urbana, das quais, inclusive, deriva todo o avanço institucional e político que foi descrito.

Alguns de seus efeitos previsíveis são: aumento especulativo dos preços dos terrenos, com apropriação de boa parte dos recursos pelos proprietários de terras; maior dificuldade no acesso à moradia para as famílias não beneficiadas pelo programa; grandes lucros para as construtoras; e produção de novas periferias, desintegradas e desarticuladas do espaço urbano.

Conclui-se que não se pode, realmente, "confundir política habitacional com política de empregos na indústria da construção", pois se com relação a essa última ainda é possível identificar benefícios, com relação à política habitacional as conseqüências tendem a ser desastrosas.

Mas, nem por isso, o pacote habitacional será um fracasso do ponto de vista do governo, que procura explorar o forte simbolismo do "sonho da casa própria" e, como os recursos são expressivos e, de alguma forma, serão obtidos resultados que chegarão à população de baixa renda, cria-se, na população beneficiada, o sentimento de que "alguém" está olhando por ela. E é inegável que o governo tem sabido capitalizar esse sentimento, para desespero da oposição conservadora, mas, também, para desalento daqueles que se mantém na perspectiva da luta por uma cidade e uma sociedade mais justa e democrática.

Marcos de Faria Asevedo é diretor do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas RJ (Sarj) e representante do Sarj no Conselho Gestor do Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social do Rio de Janeiro (CGFMHIS).

Prêmio Inimigo da Amazônia

- 05/06/2009 disponível em http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=314279
Comissão organizadora: Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, Greenpeace, Instituto Socioambiental, IMAZON, FBOMS, MST


Senadora Katia Abreu (DEM/TO)
· Autora do decreto legislativo que tenta sustar a validade das medidas administrativas de combate ao desmatamento na Amazônia
· Líder ruralista no Senado e árdua defensora da destruição do Código Florestal
· Relatora da MP 458 no Senado, defendeu entusiasticamente passar terras públicas para empresas e ocupantes indiretos, e mostrou que conhece muito bem as diversas formas de grilagem de terras públicas

Senador Mozarildo Cavalcanti (PTB/RR)

· Autor e promotor da PEC 38, que tenta acabar com a demarcação de terras indígenas e de unidades de conservação
· Autor de diversos decretos legislativos que tentam anular o reconhecimento de terras indígenas, e grande defensor da demarcação em ilhas da TI Raposa/Serra do Sol
· Votou a favor da MP 458 na íntegra

Senador Romero Jucá (PMDB/RR)

· Grande articulador da aprovação da MP 422 no Senado, liderou a bancada do governo para aprovar a MP 458 e derrubar os destaques que poderiam melhora-la
· Autor e promotor do projeto de lei que autoriza mineração dentro de terras indígenas


Senador Flexa Ribeiro (PSDB/PA)

· Autor do projeto de lei que permite plantar dendê na reserva legal em imóveis da Amazônia e defensor da revogação do Código Florestal
· Defensor veemente da MP 458, votou a favor em sua íntegra, defendendo a regularização para empresas e ocupantes indiretos, com a alegação de que "não serve para nada separar o joio do trigo"


Deputado Asdrúbal Bentes (PMDB/PA)


· Foi o relator da MP 458 na Câmara dos Deputados, onde conseguiu, com seu relatório, piorar uma medida que já era ruim e direcioná-la efetivamente para beneficiar apenas os grandes ocupantes ilegais de terras públicas



Deputado Homero Pereira (PR/MT)
· Ex-presidente da FAMATO, se destaca na luta contra os povos indígenas, sendo autor de vários decretos legislativos que tentam anular o reconhecimento de terras indígenas no Mato Grosso
· Autor de decreto legislativo que tenta anular o Decreto Federal 1775, que regulamenta a demarcação de terras indígenas

Categoria espécie exótica
Deputado José Nobre Guimarães (PT/CE)

· Relator da MP 452 na Câmara, permitiu a inclusão de uma proposta de licenciamento ambiental automático de rodovias, com o intuito de permitir a construção, sem maiores discussões, da BR 319
· Votou a favor da MP 458

Deputado Aldo Rebelo (PC do B/SP)
· Acredita que os índios são um atraso para o país, sendo autor de projeto que tenta parar com as demarcações de terras indígenas no país
· Lutou arduamente pelos direitos dos 6 fazendeiros que se recusavam a sair da TI Raposa/Serra do Sol
· Votou a favor da MP 458

Deputado Valdir Colatto (PMDB/SC)
· Expoente intelectual da bancada ruralista, é autor do projeto de Código Ambiental que revoga o núcleo central da legislação ambiental brasileira e difamador contumaz do Código Florestal, se destacando na luta por sua revogação
· Votou na MP 458, inclusive pela aprovação de todos os destaques que tentavam piorar o texto já absurdo incluso no relatório submetido a votação no plenário

Desenvolvimento: para quê e para quem?


por Michelle Amaral da Silva última modificação 15/06/2009 10:59
Colaboradores: Roberta Traspadini

O grupo dominado, mas em vias de superação, tem a escolha de criar novos modos de produção, utilizar os recursos de maneira diferenciada

15/06/2009
Roberta Traspadini
Durante os últimos 70 anos, muito se discute na América Latina sobre crescimento, desenvolvimento, qualidade de vida, sustentabilidade, Estado de direito, entre outros conceitos historicamente determinados. Cada um deles, inseridos na célula básica de confrontação entre visões de mundo distintas.
Como definem estes conceitos, sujeitos políticos de ideologias diferentes? O que está por trás de suas visões de mundo? Quais as implicações históricas de um atuar com base em uma matriz dominante de “desenvolvimento”?
Autores contemporâneos, pós-modernos, defendem que entre as duas visões que serão tratadas neste texto, existem outras várias possibilidades de compreensão sobre o mesmo tema. No entanto, não acreditamos em múltiplos caminhos possíveis, frutos da consolidação de uma coluna do meio, que mescle interesses. Acreditamos nas derivações táticas a partir destas duas visões de conteúdo estratégico de classe.
Temos um método, um modo de caminhar com base em uma explicação específica. É através deste método, o materialismo histórico dialético (MHD), que analisamos a situação concreta com o intuito de transformá-la. Mas este não é um método único, nem o dominante. Mas nem por isso, o menos importante.

Com base neste método, acreditamos que o mundo está dividido em duas classes específicas: os que são os donos privados dos fatores e meios de produção, e os que são donos da força de trabalho. Os primeiros, detentores do poder, tanto do capital, quanto do Estado, subestimam aos segundos, produtores reais da riqueza de um País.
É a visão de mundo de cada um destes grupos, e a subordinação de um ao outro, o que imprime, na realidade vivida, a concretização dos conteúdos. Vejamos como estas linhas interpretam os conceitos.
1. O que é desenvolvimento?
Alguns autores, políticos, burgueses, definem o desenvolvimento como a capacidade de promover o crescimento econômico – medido tanto pela produção interna de riqueza, quanto de renda -, e distribuí-lo de maneira eqüitativa. Nessa linha explicativa, crescer e desenvolver são duas facetas inseparáveis, mas a segunda está subordinada à primeira.
Já os autores, políticos, socialistas sustentam que desenvolver é a capacidade que o ser humano tem de promover uma transformação do meio, e de qualificação própria enquanto sujeito, para melhorar seu modo de vida, sem agredir e/ou colocar em xeque sua existência. Nesta linha argumentativa, desenvolvimento tem uma relação direta não com o crescimento, mas com a opção de modelo produtivo realizado.
2. É possível crescer e desenvolver ao mesmo tempo?
Para a primeira, modo central de realização de vida capitalista, a condição chave do processo de desenvolvimento vem da necessidade de consolidação do seu modo de produzir com fins mercantis, cujo objetivo maior é o afã de obter lucro a qualquer custo e por tempo (i)limitado.
Para a segunda, a condição chave está na possibilidade do ser humano, em harmonia com seu meio, no contexto histórico em que vive, rever substantivamente a proposta até então executada e dar um basta no modo depredador do meio, dos seres, do humano.

3. O que é sustentabilidade para estes grupos?
Para os capitalistas, sustentabilidade é a palavra encontrada no contexto histórico de colheita dos resultados catastróficos do capitalismo, para tentar encontrar soluções coletivas, tendo como base o uso individual permanente – em especial das corporaçãoes - como mecanismo reinante de perpetuação do seu suposto império.
Para os socialistas, sustentabilidade é a palavra chave de consolidação de um outro modelo superador do atual, cujo equilíbrio está no uso racional, não utilitarista dos fatores e meios de produção, assim como dos seres humanos não como recursos, mas como produtores e receptores únicos da vida.
4. E a qualidade de vida, como defendem?
Os capitalistas, baseados no seu espírito mercantil ampliado, cuja ética do individuo e da moral burguesa, levantaram as estruturas que relacionam qualidade de vida ao compromisso, ilimitado do ter, não importa o grau e a dimensão sustentável deste ter. A transformação do meio, da vida, do social em propriedade privada, cujos fins, mesmo quando aparecem sem objetivo lucrativo, não têm outra finalidade que não a de fazer dinheiro virar mais dinheiro. Para estes, a qualidade de vida é conseqüência do sucesso de implementar matrizes, copiadas, do processo de “desenvolvimento” das economias capitalistas tecnologicamente mais avançadas.
Os socialistas não conseguem dissociar qualidade de vida sem distribuição da riqueza e da renda, socialização e democratização dos fatores e meios de produção, finalização da opressão e exploração do trabalho e, substantivamente, a consolidação de uma renovada ética e moral pautadas no direito comum, social, frente a atual supremacia do direito individual. Para estes, a qualidade de vida tem a ver com a supremacia da vida sobre a mercadoria, do ser humano sobre o trabalhador escravizado, do Estado de transição sobre o moderno Estado de direito Burguês.

5. Quais as diferenças políticas entre os dois grupos?
O primeiro não quer mudar as bases que sustentam a histórica política depredadora do meio, cujo ente central de regulação da posse, foi, é, será o Estado, representante único na prática dos direitos das minorias populacionais que em realidade são maioria na concentração da riqueza e renda. Legitimam e legalizam as práticas de consolidação de um poder que, ainda quando é questionado na realidade concreta de sobrevivência das pessoas, não pode entrar, via mídia, numa brutal onda de deslegitimação sobre sua onipotência. Para estes, o nacional nada mais é do que a bandeira subordinada de um internacionalismo protagonizado pelo capital.
O segundo, reforça como projeto, a retomada não só do debate, mas da unificação de pautas que legitimem e legalizem a consolidação de um outro modelo produtivo de transição. Na transição, rumo a superação, o nacional que não poderá ser burguês, retoma as bases que o fazem ficar forte para, pouco a pouco, promover a necessária modificação do modelo. É popular porque as bases que o sustentam não são as da estrutura do capital e sim as dos reais promotores da geração de riqueza e renda mundiais: os trabalhadores formais e informais (a classe que vive do trabalho, e que por hora sobrevive da miséria humana condicionada por poucos proprietários, como definidores do destino de muitos).
6. Quais as implicações destes dois modos de conceber o desenvolvimento na sociedade atual?
As implicações do primeiro são a impossibilidade real da sociedade conseguir, nos próximos tempos, projetar seu futuro, sem que relegue a maioria a condição de miséria absoluta. Isto por sua vez, gerará um Estado cada vez mais parceiro do grande capital, cuja promoção máxima que poderá fazer do social, é dar, quando defina como funcional, assistência aos desfavorecidos, ao invés de romper com a estrutura que os desfavorece.

Já na pauta do segundo grupo, as implicações têm relação com a possibilidade de, em meio as catástrofes históricas implementadas pelo modelo dominante, estruturar, em unidade popular, a formação de uma consciência que dê um basta a exclusão, opressão, a condução do Estado de direito pelo capital. Um basta capaz de, após romper o grito frente a crise do humano em suas múltiplas dimensões, formar, na própria cotidianidade, um espaço de conscientização coletiva para não permitir que a informação siga deformando, como é mister ao longo do caminhar dominado pela minoria.
Os dois modelos tratam de escolhas, necessidades, produção e utilização dos recursos. O grupo dominante opta pela utilização (i)limitada e não regulada dos recursos naturais e do ser humano como mercadoria. Já o grupo dominado, mas em vias de superação, tem a escolha de criar novos modos de produção, utilizar os recursos de maneira diferenciada, gerar necessidades reais com base no humano e não no tecnológico inumanamente utilizado. Trata-se de uma opção: ou a continuidade da miséria humana, ou a elevação do humano, pelo trabalho digno, a um posto que resignifique a própria vida.


Roberta Traspadini é economista, Educadora popular, integrante da consulta popular/ES


“Nós nunca teremos liberdade real
entre brancos e negros nesse país
sem destruir esse país
sem destruir o atual sistema político,
sem destruir o atual sistema econômico...”
Malcom X

Congresso histórico decide fundar uma nova entidade: a Assembléia Nacional de Estudantes – Livre!

Camila Lisboa, da Secretaria Executiva Nacional da Conlutas
Gabriel Casoni, diretor do DCE da USP

“É preciso lutar e é possível vencer”
Confiram as fotos no arquivo!
Em meio aos enfrentamentos com a tropa de choque reprimindo a greve de estudantes, professores e funcionários da USP, o Congresso Nacional de Estudantes escreveu mais uma página na história do movimento estudantil brasileiro.

O forte processo de lutas aberto em 2007, com as dezenas de Ocupações de Reitorias e os milhares de estudantes em luta se enfrentando com os projetos de privatização e sucateamento da Educação Pública brasileira dos governos federal e estaduais, foi o início da construção deste Congresso.

As lutas contra os decretos de Serra, contra o REUNI de Lula, contra a corrupção nas Universidades, contra as Fundações privadas, por democracia nas escolas e universidades, pelo passe livre, contra a restrição da meia- entrada tiveram uma marca importante: pior do que a ausência da União Nacional dos Estudantes, foi a localização desta entidade ao lado daqueles que aplicam e aprofundam esses ataques.

A necessidade de realização de um fórum, em que os debates e a formação política prevalecessem sobre o atrelamento ao governo e a falta de democracia dos Congressos da UNE já estava colocada pelo desenvolvimento das lutas e mobilizações de 2007 pra cá. Com a chegada de uma forte crise econômica, que atinge em cheio as condições de vida da classe trabalhadora e da juventude brasileira, a necessidade e responsabilidade desse Congresso foram colocadas em um patamar muito superior.

Assim, desde Julho do ano passado, quando o Encontro Nacional de Estudantes indicou às entidades estudantis o debate sobre a realização de um Congresso Nacional de Estudantes, as iniciativas de sua construção estiveram diretamente relacionadas à construção das lutas e mobilizações nas escolas e universidades e nas mobilizações junto à classe trabalhadora de enfrentamento com as conseqüências da crise.

Um Congresso construído nas lutas

O processo de construção efetiva do Congresso se deu através de reuniões nacionais e estaduais que pautaram a organização das lutas, como o boicote ao ENADE/SINAES, a realização dos atos no dia 30 de março, a luta contra a restrição da meia entrada, a organização de uma Calourada nacional unificada sobre a crise e a Universidade, a luta contra o ensino à distância, a organização das lutas conseqüentes da implementação do REUNI e a luta contra a repressão nas escolas universidades.

A 1ª reunião nacional de construção do Congresso aconteceu na UERJ, que naquele momento vivia uma forte ocupação de Reitoria que reivindicava mais verbas públicas para a Educação e a luta pelo bandejão na Universidade. A 2º reunião aconteceu na USP, sede da histórica ocupação de reitoria, que desencadeou o estouro das ocupações em todo o país em 2007 . A 3ª reunião aconteceu durante o Fórum Social Mundial de Belém/PA, aonde também foi refletida a necessidade de o Congresso ser mais um instrumento para a juventude se enfrentar com as conseqüências da crise econômica. A 4ª reunião aconteceu em Salvador, aonde foi definido o regimento e funcionamento do Congresso e por fim, a 5ª reunião aconteceu em BH/MG, fechando os últimos preparativos para o tão esperado Congresso.

Além dessas, houve outras reuniões importantes, como a reunião em Brasília, após o ato em defesa do ANDES, em frente ao Ministério da Educação, contando com a importante presença da greve dos estudantes de um campus da Universidade Federal de São João Del Rei, que se enfrentavam com as conseqüências da expansão irresponsável de vagas promovida pelo governo federal.

“Gente jovem reunida”
Dessa forma, a composição do Congresso era tanto de ativistas que viveram esses processos, quanto de ativistas que viviam pela primeira vez alguma experiência no movimento estudantil. O encontro entre experiência e disposição promoveu a presença de 1350 delegados e mais de 400 participantes. Com um total de quase 1800 pessoas presentes, o Congresso se firmou como a maior iniciativa por fora da UNE da história do movimento estudantil brasileiro.
Independência financeira
Um debate muito construído no processo de construção do Congresso foi a necessidade de reafirmar a independência política deste Congresso também através da independência financeira. Também neste aspecto, o Congresso materializou uma imensa vitória política, afinal, ele foi financiado pelo dinheiro das taxas dos delegados/as e participantes do Congresso. O dinheiro das taxas foi levantado de forma militante, mostrando que o novo movimento estudantil pode e deve se construir de forma independente. Enquanto a UNE recebe milhões do governo, o movimento estudantil combativo constrói suas iniciativas através da atividade financeira militante.

As polêmicas do Congresso
O Congresso também foi marcado por uma pluralidade muito grande, sendo apresentada 16 teses, que foram distribuídas a todos os delegados/as e participantes em um Caderno de Teses.

Essa pluralidade contou com a presença de grupos e campos da esquerda da UNE, como o coletivo Barricadas, os companheiros do LSR e do Reage Socialista e ainda os companheiros do Coletivo Vamos à Luta, que apesar de terem sido contra a construção do Congresso, saudaram o Congresso, participaram dos GD’s e encaminharam propostas à plenária final. Da mesma forma, estiveram presentes companheiros que vieram construindo outras alternativas por fora da UNE, como a Conlute.

A pluralidade política do Congresso permitiu debates muito intensos sobretudo no que diz respeito à alternativa de organização que o movimento estudantil brasileiro precisava. A grande polêmica girou em torno na fundação de uma nova entidade pra organizar as lutas, ou da formação de um fórum pra organizar as lutas e também em relação ao momento de fundação da nova entidade.

O grande problema da proposta do fórum é que em primeiro lugar, seria uma reedição da Frente de Luta contra a Reforma Universitária, iniciativa que foi importante, mas apresentou seus limites e essa avaliação foi comum entre quase todos que participaram do Congresso. Outro problema dessa proposta é que ela não permite a organicidade necessária para articulação das lutas em todo o país e além disso, muitos companheiros que a propuseram são parte da esquerda da UNE, o que imprimia na proposta que a única entidade que seguisse representando o movimento estudantil brasileiro fosse a UNE.

Da mesma forma que a proposta do fórum, a polêmica em relação ao momento de fundação da nova entidade foi apresentada por ativistas sérios e honestos, com os quais é possível desenvolver uma série de lutas. O tamanho do Congresso foi motivo para a maioria das pessoas que lá estavam presentes optarem por fundarem naquele momento a construção de uma nova entidade. Outro elemento que fez a maioria do Congresso votar pela fundação foi o reconhecimento do acúmulo que existe no movimento estudantil em relação à reorganização. É verdade que a cada ano, o movimento estudantil se renova cada vez mais, e novos lutadores se inserem nessa discussão, mas também é verdade que esse debate vem sendo acumulado cada vez mais por uma série de entidades, como as Executivas de Curso, os DCE’s, CA’s, DA ‘s, Grêmios e este acúmulo é um patrimônio do movimento estudantil o qual não podemos ignorar.

O processo de construção do Congresso também foi elemento para fazer os mais de 1000 delegados optarem pela fundação da nova entidade no Congresso, assim como a necessidade de luta em defesa da Educação e de enfrentamento com as conseqüências da crise econômica.

Unir as lutas...
Diferente dos Congressos da UNE, o Congresso nacional de Estudantes aprovou uma pauta de lutas que unifica os conjuntos dos lutadores, inclusive aqueles que não foram ao Congresso. A partir da compreensão de que o movimento estudantil tem que entrar cada vez mais em cena, a grande preocupação do Congresso foi além de cercar de solidariedade a luta da USP, foi generalizar esse processo em todo o país, afinal a luta contra ao ensino a distância e a repressão não é uma preocupação apenas da USP, pois esses são ataques que pode acontecer em qualquer Universidade ou escola de todo o país.

A primeira grande tarefa de quem foi ao Congresso, e mesmo de quem não foi, é fazer um grande ato no dia 18, em São Paulo para gritar em alto e bom som que a tropa de choque não vai nos calar e que faremos o que for necessário para impedir o avanço dos ataques sobre a Educação Pública brasileira.

Também foi aprovado um calendário de Lutas que se preocupa em desenvolver as lutas em todo o país em unidade orgânica com a classe trabalhadora, setor social capaz de garantir as verdadeiras transformações que o país precisa.

... e construir um novo movimento estudantil!
A expectativa agora de articulação das lutas é muito grande, afinal com uma entidade combativa, podemos fazer o que não foi possível durante as ocupações de reitoria em 2007, que é uma articulação mais profunda entre os processos de luta em curso e em desenvolvimento.

A capacidade que essa nova entidade terá de se ampliar está garantida não só pelo seu formato, mas pela sua política. Foi bastante discutido nos grupos de discussão a importância de articular esse novo instrumento com diversos setores aliados na luta, não só do movimento estudantil, mas também da classe trabalhadora, isso foi refletido na mesa de abertura do Congresso, com a presença da Conlutas, Intersindical, MTST, ANDES e Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos.

Houve um debate sobre o formato de funcionamento dessa nova entidade e a síntese que o Congresso atingiu corresponde a este funcionamento, apresentado aqui em 10 tópicos:
1 - A Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre se reunirá de dois em dois meses, podendo realizar reuniões extraordinárias.
2 – A data e local da próxima reunião serão definidas ao término da reunião onde deverá ser aprovada também uma proposta de pauta que ficará em aberto para adendos durante o período de um mês. As pautas da Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre serão divulgadas 1 mês antes de suas reuniões.
3 - Todos os estudantes podem participar com direito a voz na Assembléia Nacional.
4 - Terão direito a voto na Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre os delegados eleitos para representação das entidades, escolas e cursos na seguinte proporção:
a) Delegados de entidades gerais (DCEs, Federações e Executivas de Curso e Associações Municipais e Estaduais de Estudantes Secundaristas) : 3 delegados para entidades que representam mais que 5 mil estudantes e 2 delegados para entidades que representam menos que 5 mil estudantes;
b) Delegados de entidades de base (CAs, DAs e grêmios): 2 delegados.
c) Delegados de coletivos e oposições: 1 delegado com a condição que a oposição ou coletivo tenha participado de uma eleição e tenha obtido no mínimo 10% dos votos;
5 – Todas as entidades deverão realizar reuniões onde se discuta a pauta da Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre e se elejam os delegados a participar da reunião. A eleição dos delegados poderá ocorrer através de assembléias, conselho de alunos representantes de turma (no caso de escolas de ensino médio), reunião de diretoria, reunião de diretoria aberta ou conselho de entidades de base, cabendo a entidade definir a forma de eleição.
6 – Para operacionalizar os trabalhos da Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre será criada uma Comissão Executiva aberta à participação de todas as entidades que se propuserem na reunião da ANEL. A Comissão Executiva Aberta se reunirá quinzenalmente, sendo suas reuniões divulgadas na Internet. Não havendo possibilidade de uma reunião presencial, realizará suas reuniões através da Internet.
7 – A Comissão de Trabalho Aberta compete:
a) Executar as resoluções da Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre;
b) Auxiliar as entidades da sede da próxima reunião da Assembléia Nacional a convocar e sediar a reunião;
c) Responder a acontecimentos emergenciais de acordo com as posições definidas pela Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre;
8 – Criação de um site e jornal semestral da Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre para divulgar suas campanhas e lutas do movimento estudantil. As entidades que participam ou constroem a Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre deverão se comprometer com cotas mensais ou semestrais para financiar as atividades da Assembléia, com o objetivo de fazer valer o princípio da independência financeira do movimento estudantil.
9 - As entidades que constroem ou participam da ANEL deverão convocar Assembléias Estaduais ou Municipais da ANEL que funcionarão de acordo com os mesmos critérios das Assembléias Nacionais e poderão ocorrer antes ou depois das reuniões nacionais, ou de acordo com a dinâmica das lutas em cada estado.
10 – A ANEL realizará de dois em dois anos, o Congresso Nacional dos Estudantes, fórum máximo da ANEL. Por decisão da ANEL poderá se convocar um Congresso Nacional dos Estudantes extraordinário entre o intervalo de um Congresso e outro.
Há um aspecto político importante do funcionamento dessa entidade de que a ANEL não possui crivo para estar dentro ou fora da UNE, ou seja, os grupos e campos que são parte da esquerda da UNE podem fazer parte da construção orgânica dessa entidade, de modo que possamos refletir nossa unidade nas lutas, também em nossa unidade organizativa. Isso para nada exclui a existência da ANEL como uma entidade alternativa ao atrelamento e burocratização da UNE.

Vemos vir vendo no vento o cheiro de uma nova estação...
Fazemos parte de uma geração que foi educada a não sonhar e o que é pior, a não lutar pelos nossos sonhos.. Rompemos com essa regra e ocupamos reitorias, fizemos mobilizações, abrimos novas perspectivas pra uma geração futura e sentimos que “viver é melhor que sonhar”.

Tentaram nos dizer que a luta de nada mais serve, tentaram nos dizer que o processo de burocratização e atrelamento da UNE era parte de um percurso natural das entidades. Não aceitamos. Saímos em luta, fizemos jus a rebeldia característica da juventude. Propusemos o novo. Construímos um grande Congresso e agora continuaremos nas ruas, nas praças e mostrando que não só o movimento estudantil não sumiu, como ele está cada vez mais renovado, pra escrever e viver a história.

Viva a Assembléia Nacional de Estudantes – Livre!
Viva a luta da juventude com a classe trabalhadora!

4 de junho de 2009

Vandana Shiva: Boicotemos as empresas que destroem o ambiente

Por Francesca Caferri [Quinta-Feira, 4 de Junho de 2009 às 11:55hs]

Nesta entrevista, a física e ativista ambiental indiana Vandana Shiva comenta a importância da defesa da Amazônia e da biodiversidade que a área concentra. E afirma que, nesse sentido, os índios têm muito a nos ensinar. Senhora Shiva, por que essa é uma questão global? A Amazônia não é só uma floresta. Não é só do Brasil. É, antes de tudo, o maior depósito de biodiversidade do mundo, a contribuição mais importante para a estabilidade climática e hidrogeológica que restou na terra. Por isso, é uma questão mundial. E posso dizer, por ter visto com os meus próprios olhos, que a destruição que está ocorrendo ali e a luta ímpar dos índios contra as empresas que querem madeira e matérias-primas e a quem não importa nada deles é uma questão global, e como tal deve ser tratada. Pelos governos em primeiro lugar. O que deveriam fazer? Deveriam, sobretudo, se esquecer da palavra lucro quando se fala sobre essa área do mundo. Os únicos investimentos na Amazônia deveriam ser dirigidos para se garantir a sua sobrevivência e proteção. Só isso deveria ser considerado um ganho, em termos de estabilidade. O que eu espero concretamente é a formação de uma aliança global entre os países em nome da conservação da Amazônia. O G8 que ocorrerá em algumas semanas na Itália tem a proteção do meio ambiente e as mudanças climáticas entre os pontos principais da sua agenda. A senhora acredita que o discurso sobre a Amazônia pode ser enfrentado ali? Francamente, não espero muito do G8. Espero muito mais do G20, a cúpula ampliada à qual tomam parte os países chamados emergentes e, nesse caso, o Brasil. É essa a sede para se estimular uma mudança. O que aconteceu desde setembro do ano passado até hoje - a crise dos mercados, o estouro da bolha dos empréstimos, a crise financeira global - deveria nos ensinar alguma coisa. Que o modelo de desenvolvimento cego, que destrói tudo ao seu redor, que aponta só ao lucro, não funciona. Não funciona mais. Porém, esse é o modelo de desenvolvimento que está destruindo a Amazônia. Para olhar para o futuro, devemos pensar em um modelo diferente, iluminado, eu o definiria. Onde a ideia de futuro e a de desenvolvimento convivam. Nesse modelo, que papel tem os consumidores finais? Como a senhora sabe, o Greenpeace os chama em causa diretamente, colocando no patíbulo marcas que estão entre as mais conhecidas do mundo… Os consumidores podem muito. A primeira coisa a fazer é estabelecer uma moratória internacional sobre qualquer bem que esteja ligado de qualquer modo à destruição da Amazônia. Isso cabe aos governos, mas depois os consumidores também devem ir a campo. Pensemos no que ocorreu com a gripe suína no México: tomados pelo pânico, os consumidores impuseram aos supermercados de todo o mundo que não vendessem mais carne que chegava do México. As exportações entraram em queda em poucos dias. Ou pensemos no movimento que se desenvolveu em muitos países da Europa contra os transgênicos: os protestos impuseram às cadeias de distribuição que fossem “OGM free”, pelo menos em parte. Ora, o mesmo pode ser feito para a Amazônia: os consumidores podem fazer pressões sobre os negócios para que não vendam produtos que não seja “Amazon free”, que venda só aqueles que respeitam a Amazônia, que não se derivam das suas matérias-primas. E depois deveriam pedir que consumissem só carne local: desse modo, as importações do Brasil entrariam em queda. Tudo isso criaria um dano grave à economia do país: e não podemos esquecer que falamos de um Estado em que boa parte da população ainda vive na pobreza… A maior parte dos cultivos e das criações na Amazônia é ilegal. Quem ganha com essa economia são os que comercializam de modo ilegal, não o país. Falemos das populações indígenas: como a senhora sabe, muitos defendem que a proximidade com a “civilização” é um bem para eles. Qual é a sua opinião? Eu não estou de acordo. Se olharmos para o futuro e para aquilo que nos ajuda a ir para frente, entenderemos que o elemento fundamental é uma relação balanceada com a terra. Um sistema de conhecimento e de vida que não seja baseado na exploração, mas na harmonia. Nessa matéria, os índios têm muito a nos ensinar. Certamente não são primitivos. Primitivos me parecem ser antes aqueles que querem caçá-los. Entrevista publicada no jornal La Repubblica e republicada pela Envolverde/IHU - Instituto Humanitas Unisinos. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Reforma tributária, para ser legítima, precisa viabilizar distribuição de renda

Escrito por Guilherme C. Delgado
14-Mai-2009

A dimensão econômica do conjunto da política social brasileira corresponde hoje a cerca de ¼ do Produto Interno Bruto, considerados dois dos seus principais indicadores, calculados pelas contas nacionais: "Benefícios Sociais" (monetários) pagos às famílias e "Benefícios em Espécie", imputados na renda familiar (serviços de saúde e educação básica, principalmente). No último ano em que o IBGE publicou detalhadamente esta informação (2003), os Benefícios Monetários correspondiam a 15,6% do PIB e os "Benefícios em Espécie" a 8,34%. Mas antes que o leitor pergunte sobre o Programa "Bolsa Família" neste contexto, é preciso esclarecer que este era e continua a ser muito pequeno nesse conjunto – ao redor de 0,3% e 0,4% do PIB. E de fato não tem a dimensão econômica e social que se lhe atribui na política social, muito embora tenha significado político-eleitoral especial, a ponto de merecer um tratamento governamental e midiático muito superior à sua dimensão sócio-econômica.

Esse conjunto de ações e serviços públicos, que denominamos de política social, é até certo ponto um corpo estranho para efeito das agendas de decisão política do governo federal. Também o é às análises da imprensa, que por razões compreensíveis trata apenas das ações singulares em cada domínio da política social, mas nunca do seu sentido geral. Mesmo à reflexão acadêmica, o tema política social em geral escapa à curiosidade dos Encontros Nacionais de Pós-Graduação das várias ciências sociais afins, a menos das exceções que explicam a regra.

No caso específico do governo federal, há uma notória pulverização de Ministérios e "Programas Sociais", mas não existe, a exemplo da política econômica, uma coordenação e tampouco articulação de conjunto da política social.

Mesmo com todas essas lacunas da coordenação, reflexão e informação, existe um conjunto de ações e serviços públicos que teima em crescer (se considerada sua relação com o PIB), há mais de uma década, quando princípios de direitos sociais foram regulamentados e os cidadãos passaram a exercê-los nos limites daquilo que vem se configurando como "estado de bem estar social" brasileiro.

Planejar o futuro, pelo menos duas a três décadas à frente, é parte integrante do conteúdo das políticas sociais que lidam com demandas intergerenciais previsíveis, quais sejam a educação básica, o seguro social, a saúde pública, a habitação popular etc. Quaisquer desses subsistemas são pressionados por uma demanda física, nunca inferior a 3% de incremento anual, crescimento este que reflete um fator demográfico estrito.

Isto posto, o debate atual sobre o futuro da política social brasileira está inevitavelmente ligado à evolução do atendimento dessas e de outras necessidades básicas, numa população cujo crescimento demográfico nas próximas décadas, somado às expectativas de inclusão social, deverá ainda elevar a proporção dos gastos sociais no Produto Interno Bruto para níveis necessariamente mais elevados que os atuais. Isto é padrão normal de desempenho, quando se implanta e desenvolve o chamado estado do bem estar, cuja função precípua é de proteger a sociedade contra riscos que ameaçam sua coesão interna.

A questão crucial, que não está equacionada, é a do conjunto de recursos fiscais com que contaria a política social para dar este salto de quantidade e qualidade – do presente ao futuro.

Aguarda-se uma proposta da reforma tributária que se disponha a enfrentar esta discussão. Mas não vale congelar o "status-quo", nem voltar às práticas pretéritas do regime militar, sonho dourado dos conservadores e fiscalistas de plantão.

O real dilema atual do modelo constitucional de estado de bem estar brasileiro é que este ainda não é viável para completar seu ciclo de universalização de acesso, por falta da redistribuição de renda, que apenas uma reforma tributária séria poderia viabilizar.

Por sua vez, nenhuma reforma tributária neutra ou antagônica, do ponto de vista distributivo (com o é o Projeto atual – PEC 233-2008), é legítima para merecer aprovação do Congresso, não obstante todos os vícios da representação atual.

Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

Crise ambiental é o desafio central do século 21", acredita Eric Hobsbawm

Por Verena Glass [Quarta-Feira, 3 de Junho de 2009 às 13:50hs]

“Vivemos meio século de um crescimento exponencial da população global, e os impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente planetário estão colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela existe hoje. Este é o desafio central que enfrentamos no século 21. Vamos ter que abandonar a velha crença - imposta não apenas pelos capitalistas - em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta”. A afirmação é do historiador Eric Hobsbawm. Eis a entrevista: O planeta vive hoje uma crise que abalou as estruturas do capitalismo mundial, atinge indiscriminadamente atores em nada responsáveis pela sua eclosão, e que talvez seja um dos mais importantes “feitos” da moderna globalização. Na sua avaliação, quais foram os fatores e mecanismos que levaram a esta situação? Nos últimos quarenta anos, a globalização, viabilizada pela extraordinária revolução nos transportes e, sobretudo, nas comunicações, esteve combinada com a hegemonia de políticas de Estado neoliberais, favorecendo um mercado global irrestrito para o capital em busca de lucros. No setor financeiro, isto ocorreu de forma absoluta, o que explica porque a crise do desenvolvimento capitalista ocorreu ali. Apesar do fato de que o capitalismo sempre - e por natureza - opera por meio de uma sucessão de expansões geradoras de crises, isto criou uma crise maior e potencialmente ameaçadora para o sistema, comparável à Grande Depressão que se seguiu a 1929, mesmo que seja cedo para avaliarmos todo o seu impacto. Um problema maior tem sido que a tendência de declínio das margens de lucro, típico do capitalismo, tem sido particularmente dramática porque os operadores financeiros, acostumados a enormes ganhos com investimentos especulativos em épocas de crescimento econômico, têm buscado mantê-los a níveis insustentáveis, atirando-se em investimentos inseguros e de alto risco, a exemplo dos financiamentos imobiliários “subprime” nos EUA. Uma enorme dívida, pelo menos quarenta vezes maior do que a sua base econômica atual foi assim criada, e o destino disso era mesmo o colapso. Como resposta à crise econômica, governos e instituições financeiras estão concentrados em salvar os sistemas bancário e financeiro, opção que tem sido considerada uma tentativa de cura do próprio vetor causador do mal. No que deve resultar este movimento? Um sistema de crédito operante é essencial para qualquer país desenvolvido, e a crise atual demonstra que isso não é possível se o sistema bancário deixa de funcionar. Nesse sentido, as medidas nacionais para restaurá-lo são necessárias. Mas o que é preciso também é uma reestruturação do Estado por exemplo, através das nacionalizações, a “desfinanceirização” do sistema e a restauração de uma relação realista entre ativos e passivos econômicos. Isso não pode ser feito simplesmente combinando vastos subsídios para os bancos com uma regulação futura mais restrita. De toda forma, a depressão econômica não pode ser resolvida apenas via restauração do crédito. São essenciais medidas concretas para gerar emprego e renda para a população, de quem depende, em última instância, a prosperidade da economia global. Antes de se agudizar o caos econômico, o mundo começou a sofrer uma sucessão de abalos sociais e ambientais, como a falta global de alimentos, as mudanças climáticas, a crise energética, as crises humanitárias decorrentes das guerras, entre outros. Como você avalia estes fatores na perspectiva do paradigma civilizatório e de desenvolvimento do capitalismo moderno? Vivemos meio século de um crescimento exponencial da população global, e os impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente planetário estão colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela existe hoje. Este é o desafio central que enfrentamos no século 21. Vamos ter que abandonar a velha crença - imposta não apenas pelos capitalistas - em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta. Isto significa que a fórmula da organização econômica mundial não pode ser determinada pelo capitalismo de mercado que, repito, é um sistema impulsionado pelo crescimento ilimitado. Como esta transição ocorrerá ainda não está claro, mas se não ocorrer, haverá uma catástrofe. O capitalismo tem adquirido, cada vez mais, uma força hegemônica na agricultura com o crescimento do agronegócio. Muitos defendem que a Reforma Agrária não cabe mais na agenda mundial. Como vê este debate e a luta pela terra de movimentos sociais como o MST e a Via Campesina? A produção agrícola necessária para alimentar os seis bilhões de seres humanos do planeta pode ser fornecida por uma pequena fração da população mundial, se compararmos com o que era no passado. Isso levou tanto a um declínio dramático das populações rurais desde 1950, quanto a uma vasta migração do campo para as cidades. Também levou a um crescente domínio da agricultura por parte não tanto do grande agronegócio, mas principalmente de empreendimentos capitalistas que hoje controlam o mercado desta produção. Da mesma forma, têm aumentado os conflitos entre agricultores e iniciativas empresariais na disputa pela terra para propósitos não agrícolas (indústrias, mineração, especulação imobiliária, transporte etc.), bem como pela sua posse e pela exploração dos recursos naturais. A Reforma Agrária sem duvida não é mais tão importante para a política como foi há 40 anos, pelo menos Insustentável: crescimento econômico e da população colocam em risco o futuro da amizade na América Latina, mas claramente permanece uma questão central em muitos outros países. Na minha opinião, a crise atual reforça a importância da luta de movimentos como o MST, que é mais social do que econômica. Em tempos de vacas gordas é muito mais fácil ganhar a vida na cidade. Em tempos de depressão, a terra, a propriedade familiar e a comunidade garantem a segurança social e a solidariedade que o capitalismo neoliberal de mercado tão claramente nega aos migrantes rurais desempregados. Na virada do século, um novo movimento global de resistência social tomou corpo através do que ficou conhecido como altermundialismo. Surgiu o Fórum Social Mundial, e grandes manifestações contra a guerra e instituições multilaterais, como a OMC, o G8 e a ALCA, na América Latina, ganharam as ruas. Na sua avaliação, o que resultou destes movimentos? E hoje, como vê estas iniciativas? O movimento global de resistência altermundialista merece o crédito de duas grandes conquistas: na política, ressuscitou a rejeição sistemática e a crítica ao capitalismo que os velhos partidos de esquerda deixaram atrofiar. Também foi pioneiro na criação de um modo de ação política global sem precedentes, que superou fronteiras nacionais nas manifestações de Seattle e nas que se seguiram. Grosso modo, logrou formular e mobilizar uma poderosa opinião pública que seriamente pôs em cheque a ordem mundial neoliberal, mesmo antes da implosão econômica. Seu programa propositivo, porém, tem sido menos efetivo, em função, talvez, do grande número de componentes ideologicamente e emocionalmente diversos dos movimentos, unificados apenas em aspirações muito generalistas ou ações pontuais em ocasiões específicas. Principalmente na América Latina, os anos 2000 trouxeram uma série de mudanças políticas para a região com a eleição de governadores mais progressistas. A sociedade civil organizada ganhou espaço nos debates políticos, mas os avanços na garantia dos direitos sociais ainda esperam por uma maior concretização. Como analisa este fenômeno? O fator mais positivo para a América Latina é a diminuição efetiva da influência política e ideológica - e, na América do Sul, também econômica - dos EUA. Um segundo fator muito importante é o surgimento de governos progressistas - novamente mais fortes na América do Sul - , inspirados pela grande tradição da igualdade, fraternidade e liberdade, que comprovadamente está mais viva aí do que em outras regiões do mundo neste momento. Estes novos regimes têm se beneficiado de um período de altos preços de seus bens de exportação. Quão profundamente serão afetados pela crise econômica, principalmente o Brasil e a Venezuela, ainda não está claro. Suas políticas têm logrado algumas melhorias sociais genuínas, mas até agora não reduziram significativamente as enormes desigualdades econômicas e sociais de seus países. Esta redução deve permanecer a maior prioridade de governos e movimentos progressistas. Diante da crise civilizatória, do fracasso do capitalismo e da inoperância dos sistemas multilaterais, que não foram aptos a enfrentar as grandes questões mundiais, as esquerdas têm se debatido na busca de alternativas; mas nem consensos nem respostas parecem despontar no horizonte. Haveria, em sua opinião, a possibilidade real da construção de um novo socialismo, uma nova forma de lidar com o planeta e sua gente, capaz de enfrentar a hegemonia bélica, econômica e política do neoliberalismo? Eu não acredito que exista uma oposição binária simples entre “um novo socialismo” e a “hegemonia do capitalismo”. Não existe apenas uma forma de capitalismo. A tentativa de aplicar um modelo único, o “fundamentalismo de mercado” global anglo-americano, é uma aberração histórica, que potencialmente colapsou agora e não pode ser reconstruída. Por outro lado, o mesmo ocorre com a tentativa de identificar o socialismo unicamente com a economia centralizada planejada pelo Estado dos períodos soviético e maoísta. Esta também já era (exceto talvez se nosso século for reviver os períodos temporários de guerra total do século 20). Depois da atual crise, o capitalismo não vai desaparecer. Vai se ajustar a uma nova era de economias que combinarão atividades econômicas públicas e privadas. Mas o novo tipo de sistemas mistos tem que ir além das várias formas de “capitalismo de bem estar” que dominou as economias desenvolvidas nos trinta anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. Deve ser uma economia que priorize a justiça social, uma vida digna para todos e a realização do que Amaratya Sen chama de potencialidades inerentes aos seres humanos. Deve estar organizada para realizar o que está além das habilidades do mercado dos caçadores-de-lucro, principalmente para confrontar o grande desafio da humanidade neste século 21: a crise ambiental global. Se este novo sistema se comprometer com os dois objetivos, poderá ser aceitável para os socialistas, independente do nome que lhe dermos. O maior obstáculo no caminho não é a falta de clareza e concordância entre as esquerdas, mas o fato de que a crise econômica global coincide com uma situação internacional muito perigosa, instável e incerta, que provavelmente não estabelecerá uma nova estabilidade por algum tempo. Entrementes, não há consenso ou ações comuns entre os Estados, cujas políticas são dominadas por interesses nacionais possivelmente incompatíveis com os interesses globais. Conceitos como solidariedade, cooperação, tolerância, justiça social, sustentabilidade ambiental, responsabilidade do consumidor, desenvolvimento sustentável, entre outros, têm encontrado eco, mesmo de forma ainda frágil, na opinião pública. Acredita que estes princípios poderão, no futuro, ganhar força e influenciar a ordem mundial? Vê algum caminho que possa aproximar a humanidade a uma coabitação harmoniosa? Os conceitos listados estão mais para slogans do que para programas. Eles ou ainda precisam ser transformados em ações e agendas (como a redução de gases de efeito estufa, encorajada ou imposta pelos governos, por exemplo), ou são subprodutos de situações sociais mais complexas (como “tolerância”, que existe efetivamente apenas em sociedades que a aceitam ou que estão impedidas de manter a intolerância). Eu preferiria pensar na “cooperação” não apenas como um ideal generalista, mas como uma forma de conduzir as questões humanas, como as atividades econômicas e de bem estar social. Me entristece que a cooperação e a organização mútua, que eram um elemento tão importante no socialismo do século 19, desapareceram quase que completamente do horizonte socialista do século 20 - mas felizmente não da agenda do MST. Espero que esta lista de conceitos continue conquistando o apoio e mobilize a opinião pública para pressionar efetivamente os governos. Não acredito que a humanidade alcançará um estado de “coabitação harmoniosa” num futuro próximo. Mas mesmo se nossos ideais atualmente são apenas utopias, é essencial que homens e mulheres lutem por elas. O senhor, que estudou com profundidade a história do mundo e as relações humanas nos últimos séculos, o que espera do futuro? Se a crise ambiental global não for controlada, e o crescimento populacional estabilizado, as perspectivas são sombrias. Mesmo se os efeitos das mudanças climáticas possam ser estabilizados, produzirão enormes problemas que já são sentidos, como a crescente competição por recursos hídricos, a desertificação nas zonas tropicais e subtropicais, e a necessidade de projetos caros de controle de inundações em regiões costeiras. Também mudarão o equilíbrio internacional em favor do hemisfério Norte, que tem largas extensões de terras árticas e subárticas passíveis de serem cultivadas e industrializadas. Do ponto de vista econômico, o centro de gravidade do mundo continuará a se mover do Oeste (América do Norte e Europa) para o Sul e o Leste asiático, mas o acúmulo de riquezas ainda possibilitará às populações das velhas regiões capitalistas um padrão de vida muito superior às dos emergentes gigantes asiáticos. A atual crise econômica global vai terminar, mas tenho dúvidas se terminará em termos sustentáveis para além de algumas décadas. Politicamente, o mundo vive uma transição desde o fim da Guerra Fria. Se tornou mais instável e perigoso, especialmente na região entre Marrocos e Índia. Um novo equilíbrio internacional entre as potências - os EUA, China, a União Européia, Índia e Brasil - presumivelmente ocorrerá, o que poderá garantir um período de relativa estabilidade econômica e política, mas isto não é para já. O que não pode ser previsto é a natureza social e política dos regimes que emergirão depois da crise. Aqui as experiências do passado não podem ser aplicadas. O historiador pode falar apenas das circunstâncias herdadas do passado. Como diz Karl Marx: a humanidade faz a sua própria história. Como a fará e com que resultados, muitas vezes inesperados, são questões que ultrapassam o poder de previsão do historiador. * Entrevista exclusiva à jornalista Verena Glass e publicada na Revista Sem Terra, maio/junho 2009, e republicada na Envolverde.

Polêmicas envolvendo a Petrobrás adiam a urgente retomada do nosso petróleo

Escrito por Valéria Nader
27-Mai-2009

A Petrobrás é o centro da mais nova e acirrada polêmica nacional. Acusada de cometer uma série de irregularidades, motivou a criação de uma CPI no Congresso, a qual o governo, mesmo a todo custo, não conseguiu evitar.

Os governistas, acompanhados de correntes nacionalistas e progressistas de políticos, intelectuais e movimentos sociais, vêem a CPI como uma manobra política oportunista e eleitoreira, nefasta aos interesses da empresa e do país em um momento de crise econômica internacional. Ademais, antevêem nessa manobra um claro objetivo de fragilizar a Petrobrás e privatizá-la de vez, em face das atuais discussões sobre a mudança da Lei do Petróleo, com o intuito de retomar o monopólio estatal sobre o combustível.

Há também aqueles que não têm acordo pleno com essa visão. Afinal, criticar uma CPI sob a justificativa de se tratar de um movimento de tucanos, demos, peemedebistas e afins com o intuito de privatizar a empresa seria um raciocínio no mínimo incompleto, considerando que o atual governo ainda não conseguiu nem mesmo reverter a Lei do Petróleo de FHC, que minou o monopólio da Petrobrás. Ademais, uma vez levantadas dúvidas e denúncias, como não aclará-las, dando uma satisfação ao público, quanto mais sabendo que uma empresa com o porte da Petrobrás carrega certamente fortes interesses corporativos?

Todas estas são apreciações válidas. Como também é inegável que estamos diante de um Congresso acintosamente desmoralizado para levar adiante com seriedade um processo de tal envergadura. E que, muito provavelmente, conduzirá uma CPI para tão somente negociar nacos de participação na anunciada gigantesca riqueza do pré-sal.

O que não está claro, porém, configurando quadro já emblemático de nosso país, é como todo este movimento e especulações dele advindas mascaram o que é essencial: a retomada e controle de nosso petróleo.

Fernando Siqueira, o presidente da AEPET (Associação de Engenheiros da Petrobrás), em entrevista exclusiva ao Correio, ajuda a lançar luzes nesse quadro.

Confira abaixo.

Correio da Cidadania: O Congresso está envolto em uma série de escândalos e avançam as discussões, incluindo o próprio governo, para a mudança do marco regulatório do petróleo, restabelecendo o monopólio estatal sobre o combustível. Esses acontecimentos estão realmente determinando, de modo contundente, as acusações de que tem sido vítima a Petrobrás, culminando com a própria instalação da CPI?

Fernando Siqueira: Acho que o problema é mais grave e mais profundo. Acredito que se trata de uma recaída neoliberal do PSDEMB junto com a banda fisiológica do PMDB. A CPI é criada justamente no momento em que a comissão interministerial discute o marco regulatório e o papel da Petrobrás no pré-sal.

É coincidente, ademais, esta CPI com três fatores que reforçaram a importância da Petrobrás e a credenciaram ainda mais para desenvolver o pré-sal: (1) a Petrobrás colocou em produção o primeiro poço do campo de Tupi – na área mais importante do pré-sal - produzindo 15.000 barris por dia, mostrando que tem capacitação e competência para desenvolver a província e calando a mídia e os lobistas que lançavam dúvidas sobre sua capacitação; (2) a empresa passou, segundo a Reputation Institute (RI), órgão internacional especializado, de 20ª para 4ª companhia mais admirada do mundo; (3) foi incluída, segundo relatório técnico do banco Goldman Sachs, entre as 10 empresas mais viáveis do planeta, junto com sete empresas americanas, uma israelense e a Companhia Vale do Rio Doce. Mas a Petrobrás foi ainda considerada a mais viável entre as empresas petrolíferas, tanto por sua capacitação quanto pelas reservas que controla.

Com todo esse prestígio, inclusive internacional, era preciso enfraquecer a imagem da Petrobrás, agredi-la, jogá-la contra a opinião pública. Foi assim que fizeram na época da quebra do monopólio, da venda das ações, por valor irrisório, na Bolsa de Nova York. E também na tentativa de desnacionalizá-la, cumprindo carta compromisso assinada por FHC com o FMI e aproveitando as sugestões do Credit Suisse First Boston, de desnacionalizar por etapas. FHC chegou a dividir a empresa em 40 unidades de negócios, para transformar cada uma em subsidiária e vendê-las. Para isto ele inseriu o artigo 64 na lei do petróleo, a 9478/97. Ver matéria na página http://www.aepet.org.br/ – "Estragos que FHC causou na Petrobrás visando sua desnacionalização".

Acho que este é o fundamento principal da CPI e mostra o risco dessa turma voltar ao poder em 2010. É possível que a propina recebida pela venda de grande parte do patrimônio nacional tenha sido pequena. Ou a ambição, em período eleitoral, cresceu.

Os interesses eleitoreiros e o desvio do foco sobre as falcatruas dos senadores seriam motivos fisiológicos, mas secundários.

CC: Quanto às acusações dirigidas à Petrobrás – relativas a fraudes em licitações, na distribuição de royalties, no pagamento de impostos e na concessão de patrocínios; e a superfaturamentos na construção de refinarias - e que estão motivando a CPI, não têm fundamento, não mereceriam, de qualquer forma, apuração?

FS: A distribuição de royalties quem faz é a Agência Nacional de Petróleo, que, hoje, tem em sua direção uma participação indecorosa da americana Halliburton. A fraude em licitações, o superfaturamento na construção de refinarias, acho difíceis, porque a Petrobrás é muito visada e muito fiscalizada. Mas, se ocorrerem irregularidades, devem ser fiscalizadas pelo TCU e Ministério público. Quanto à concessão de patrocínios, faz parte do marketing da companhia, pois ela tem forte concorrência, mormente na distribuição de combustíveis. Ela também financia projetos ambientais e culturais. Talvez ela faça mais pela cultura do país, inclusive em áreas em que ninguém investe, do que o próprio ministério correspondente. Ela também financia projetos ambientais como o projeto Tamar e vários outros.

Quanto à fraude no pagamento de impostos, é uma calúnia gigantesca, que faz parte da campanha insidiosa e orquestrada contra ela. A companhia usou regras legais para se proteger da variação e da insegurança cambial. A grande maioria das empresas do país usa esse artifício.

CC: Uma vez, portanto, que a poeira foi levantada, deve ser dada uma satisfação ao público, com a avaliação de supostas irregularidades - ainda que não através da criação de uma CPI, via TCU e Ministério Público, por exemplo.

FS: Claro, para isto existem órgãos fiscalizadores como o Ministério Público e o TCU, além da Polícia Federal. Muito mais confiáveis e isentos do que o atual Senado Federal. No governo Itamar Franco, o mais transparente da Nova República, a Petrobrás sofreu várias inspeções do TCU. Como não encontraram nada, não divulgaram os resultados. Não somos contrários à CPI, mas a favor da transparência. O problema é que as CPI´s estão sendo distorcidas e muito mal utilizadas, o que é uma pena.

CC: Qual a sua avaliação da atual gestão da empresa?

FS: Não é a ideal, como gostaríamos, até porque muitos gerentes da gestão anterior permaneceram e muitos novos foram nomeados, mais por militância do que por competência. Ainda assim, essa gestão é infinitamente melhor do que a anterior. Um exemplo: no final da gestão passada, em 2002, o diretor de Exploração e Produção fazia corpo mole na exploração para que as áreas não exploradas fossem devolvidas, em agosto de 2003, à ANP, que iria colocá-las em leilão. O novo diretor de E&P assumiu em janeiro de 2003, intensificou as pesquisas e descobriu 5,6 bilhões de barris de reservas, quase dobrando as reservas então existentes. Depois incentivou as pesquisas do pré-sal, que resultaram na maior descoberta do país e numa das maiores reservas do mundo. Se permanecesse a diretoria anterior, o pré-sal não teria sido descoberto.

CC: O governo é, obviamente, contra a CPI, mas tem planos de criação de uma nova estatal para a exploração do pré-sal. Como você considera esse plano do governo? Ele tem chances de se concretizar?

FS: A nosso ver, essa não é a melhor solução. O ideal seria o governo recomprar as ações da Petrobrás, vendidas a preços irrisórios na Bolsa de Nova York, e entregar a ela o desenvolvimento do pré-sal, fazendo voltar à União Federal a propriedade do petróleo conforme reza a Constituição.

Inclusive, indenizando as empresas que participam das descobertas já ocorridas, pois a Constituição reza que o direito coletivo prevalece sobre o individual. Mas parece que o governo não tem força ou coragem política para isto. Então, se essa estatal restaurar a propriedade do petróleo para a União, mudando o marco regulatório e os contratos de exploração, e se esta for a única forma de extinguir os absurdos da lei do Petróleo, é bem melhor do que ficar mantida a situação atual, em que a União recebe menos da metade do que recebem os países exportadores.

A propriedade do petróleo ser da União é estrategicamente fundamental, pois ela pode usá-lo como moeda de troca com os países importadores e também pode controlar a produção de forma a atender aos interesses estratégicos e econômicos do povo brasileiro. Por exemplo: se o pré-sal for todo leiloado, em 13 anos ele acaba. Mas, se a Petrobrás produzir de forma a atender a uma estratégia energética, ele pode durar mais de 40 anos.

CC: Sabendo-se, portanto, que as ações da Petrobrás, a despeito do controle da União, estão hoje em boa parte em mãos do capital privado, inclusive internacional, e que o governo não tem força ou vontade política para reestatizar a empresa, estaria aí, de alguma forma, uma justificativa para explorar a imensa riqueza do pré-sal com uma nova empresa, inteiramente pública.

FS: O fato de haver ações da Petrobrás em mãos estrangeiras não é ideal, mas também não é tão relevante. A Petrobrás é obrigada a pagar 25% do seu lucro líquido, na forma de dividendos, aos acionistas. Assim, os 60% das ações em mãos privadas receberiam 60% de 25%, o que resulta em 15% do lucro líquido. Sobram 85% para o governo e a Petrobrás fazerem investimentos sociais no país, tais como: fabricar plataformas no país, gerando emprego, tecnologia e desenvolvimento sustentado. Investir em cultura, preservação ambiental e muitos outros benefícios. Uma empresa estrangeira, além de não fazer isto, remete todo o lucro para fora.

CC: Por que o governo não tem força ou vontade política para retomar a Petrobrás? Quais são os obstáculos, não somente à reestatização, mas também à mudança do marco regulatório do petróleo, que, afinal, também não foi ainda levada a cabo pelo atual governo?

FS: Temos de enfrentar dois segmentos poderosos que ambicionam as reservas do pré-sal e lutam contra esta reestatização e a mudança do marco regulatório, muito favorável a eles:

Os primeiros são os Estados Unidos da América, que têm reservas de 29 bilhões de barris e consomem 10 bilhões por ano. Estão numa situação crítica e por isto já gastaram mais de US$ 3 trilhões na invasão do Iraque e Afeganistão, atrás de petróleo. Quando aparece uma reserva da ordem de 90 bilhões de barris, no quintal deles, voltam-se para nós, tendo inclusive, reativado a 4ª frota naval sem outra explicação a não ser a "proteção" do Atlântico Sul, onde só se situam Brasil e Argentina.

A Argentina já desnacionalizou o seu petróleo, só restando o Brasil.

O outro segmento, não menos poderoso, é o cartel das sete irmãs, que já tiveram o domínio de 90% das reservas mundiais e hoje têm menos de 3%.

Nessa condição, estão fadadas a desaparecer. Esse grupo tem um poder econômico colossal e que domina o setor há 150 anos, com ações torpes como suborno, deposição e assassinato de presidentes de países; não vai aceitar essa morte sem luta e precisa das reservas do pré-sal para sobreviver. A Petrobrás é indesejável para elas. Para sobreviver, essas empresas se fundiram e hoje são quatro anglo-saxônicas – BP/Amoco, Shell, Exxon/mobil e Chevron/Texaco. Há mais duas grandes petrolíferas resultantes de fusões, que, junto com essas quatro, formam as hoje denominadas "Big Oil": Total/Fina/Elf e Phillips/Conoco.

CC: Teríamos alguma chance de vencer estes obstáculos, e iniciar um processo de retomada do monopólio do petróleo, e mesmo de reestatização da Petrobrás? Como poderia, ainda que idealmente, ter início um processo como este, com que setores poderia e deveria contar e como o governo reagiria a uma tal perspectiva?

FS: Nas décadas de 1940 e 1950, quando o petróleo era apenas um sonho, foi feito o maior movimento cívico deste país. O resultado foi a criação da Lei 2004/53, que gerou o Monopólio Estatal do petróleo e a criação da Petrobrás. Essa Lei vigorou por 44 anos e foi excelente para o país. Foi através dela que se chegou à auto-suficiência e à descoberta do pré-sal. Agora o petróleo se tornou uma realidade muito acima de todas as expectativas. Temos todos os motivos e razões para retomar esse bem que pertence ao povo brasileiro. E se a sociedade se conscientizar e participar, podemos fazer forte pressão para mudar essa legislação absurda, reestatizando a Petrobrás, inclusive com o retorno da Lei 2004/53. Esse movimento está tomando corpo. Vimos com alegria a UNE (União Nacional dos Estudantes) participar da passeata recente no Rio de Janeiro e assinar o manifesto das entidades gaúchas pela retomada da propriedade do petróleo, como manda a Constituição.

Não tem sentido entregar uma riqueza que foi pesquisada pela Petrobrás, que correu todos os riscos – não restando mais risco nenhum – e pertence ao povo brasileiro, para empresas estrangeiras, que não investiram e não correram riscos, levarem 50% desse petróleo em detrimento da Nação. Ou seja, um "bilhete premiado".

CC: As terceirizações promovidas nos últimos anos têm sido, reconhecidamente, nefastas, tanto para os trabalhadores quanto para a própria empresa. Há como revertê-as sem um processo de reestatização? A atual gestão fez algo nesse sentido?

FS: A terceirização fez parte do processo de desnacionalização da YPF da Argentina. A YPF passou de 37.000 para 7.000 empregados, antes de ser privatizada. Os 30.000 despedidos foram recontratados como terceirizados. Como os atores que comandaram aquela desnacionalização também atuaram por trás do governo FHC, a terceirização tinha a finalidade de vulnerabilizar a Petrobrás para desnacionalizá-la.

Assim, na gestão passada, os empregados próprios foram reduzidos de 60.000 para 30.000 e os terceirizados chegaram a 120.000. Na gestão atual, foram contratados 20.000 novos empregados, por concurso, mas a terceirização subiu para cerca de 200.000. Isto enfraquece a empresa e é ruim para todos. Mas é possível reverter esse processo abrindo mais concursos para novos empregados.

Até porque, segundo o programa de treinamento em convênio Petrobrás-empresas privadas, o Prominp, é prevista para o pré-sal a abertura de 250.000 empregos diretos e 350.000 indiretos só no setor de petróleo.

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.

3 de junho de 2009

Bertin, Carrefour, Wal Mart e Pão de Açúcar respondem ao relatório do Greenpeace

O relatório A Farra do Boi na Amazônia já repercute nas empresas envolvidas na cadeia de custódia de gado. Veja as respostas da Bertin, Pão de Açúcar, Wal Mart e Carrefour aos dados do relatório, e a nossa análise.

Bertin S.A. A Bertin S.A. esclarece que suas operações são baseadas no compromisso de administrar seus negócios de forma integrada com a responsabilidade social e ambiental. Para isso, faz permanentes investimentos em iniciativas que minimizam os impactos resultantes de suas atividades, visando ser uma referência no setor.A companhia obedece estritamente às leis brasileiras trabalhistas, ambientais,fiscais e todas as outras referentes à sua atividade.A Bertin tem a convicção de que o caminho para a evolução da pecuária no Brasil é a sustentabilidade. Sempre esteve à frente em iniciativas desenvolvidas com ONGs e organismos nacionais e internacionais que trouxessem aprendizados para a empresa e que a tornassem referência em assuntos que tanto interessam à coletividade. A Bertin adotou no setor práticas pioneiras ao combate à irregularidade, imprimindo ações voltadas ao benefício de toda a cadeia e ao bemdo setor. Por isso, possui um programa específico de Procedimento de Compra de Gado, que considera critérios socioambientais dos fornecedores. Esse método visa garantir, por meio do monitoramento e controle de cadastro de fornecedores, o atendimento à legislação ambiental, trabalhista, de segurança de trabalho, entre outros. O programa estabelece um conjunto de critérios para credenciamento de fazendas, que incluem a não condenação por trabalho escravo, por grilagem de terras, por violência agrária, por desmatamento ilegal e não possuir, criar ouadquirir gado em áreas indígenas.A empresa está de acordo com o Plano Nacional de Prevenção e Combate ao Desmatamento da Amazônia (PPCDAM), cumpre o Decreto 6.514 – que proíbe adquirir, intermediar, transportar ou comercializar produto ou subproduto de origem animal ou vegetal produzido sobre área objeto de embargo, integra o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e utiliza as informações disponibilizadas por órgãos como o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – para se certificar que o produtor não usufrui de terras griladas.Sobre as considerações realizadas nesta segunda-feira, 01 de junho de 2009, no relatório apresentado pelo Greenpeace, a Bertin faz questão de esclarecer que segue rigorosamente sua política de compra de gado acima detalhada e que todosos seus fornecedores são legais e não constam nem da lista suja – do Ministério do Trabalho e Emprego que condena práticas semelhantes à escravidão – nem de lista Embargada publicada pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Como resultado deste compromisso, a Bertin adotou o critério de figuração na lista para descredenciar fornecedores. Sendo assim, já excluiu 141 que constavam na lista de áreas embargadas e mais 24 por estarem presentes na lista suja.Nossas unidades exportadoras têm sistemas de rastreabilidade de matéria-prima e são todas credenciadas pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF). Para atender ao mercado interno, o documento de origem emitido pelo SIF é uma CSN ou Guia de Trânsito, sem especificação de habilitação, ou seja, impossibilitado de utilizar esta matéria-prima para elaboração de produtos destinados à exportação para EUA e países da União Européia.No que diz respeito à atuação com couros, 82,5% é proveniente de unidades próprias da Bertin, ou seja, totalmente regular em questões de quaisquer naturezas sejam elas fundiárias, trabalhistas, ambientais entre outras. Orestante é adquirido de outros frigoríficos como Marfrig, Frigol, Fricon, Margen, Frical, Paloma, Rondosafra e Eldorado e corresponde a 17,5%.Dado à aquisição de terceiros, a Bertin se compromete a averiguar a procedência deste couro e caso haja situações irregulares, haverá interrupção imediata do acordo comercial entre a Bertin e estes fornecedores até que tudo estejaabsolutamente dentro dos padrões exigidos pela legislação.A empresa ressalta ainda que está à disposição de todo e qualquer movimento relacionado à preservação da Amazônia, levando sempre em consideração a importância ambiental da região e também os aspectos sociais envolvidos.Análise do Greenpeace sobre a resposta da Bertin:É inegável que no processo de implementação das cláusulas do empréstimo do IFC, a Bertin tem adotado práticas melhores. Excluiu fornecedores com embargo e trabalho escravo.No entanto, conforme o Greenpeace denuncia no relatório “Farra do Boi na Amazônia”, ainda há problemas sérios nos fornecedores da empresa que ela não pode ignorar. A Bertin afirma, por exemplo, que “estabelece um conjunto decritérios para credenciamento de fazendas, que incluem a não condenação por trabalho escravo, por grilagem de terras, por violência agrária, por desmatamento ilegal e não possuir, criar ou adquirir gado em áreas indígenas."O desmatamento na Amazônia é um problema emergencial, que agrava as mudanças climáticas globais. Assim, limitar essa exclusão ao critério de "não condenação", atrasa a tomada de decisões. No caso do desmatamento, o tempo médiode tramitação de uma multa no IBAMA, segundo estudo da ONG Imazon, é de 7 anos, o que torna o critério absolutamente inócuo.Outro exemplo desse tipo de demora está em um caso de trabalho escravo, de fornecedor da Bertin que entrou na lista suja em dezembro de 2008, mas cujos trabalhadores haviam sido libertados em uma blitz ocorrida há dois anos, tempoque levou para o processo tramitar no MTE (Ministério do Trabalho e Emprego).Em nossa pesquisa encontramos fazendas que desmataram em 2008 e continuam desmatando atualmente, transportando carregamentos freqüentes de animais para frigoríficos da Bertin. Identificamos dezenas de fazendas que possuem multas (em tramitação) por desmatamento ilegal e são fornecedores regulares. Assim, ausência de condenação não representa um atestado de bons antecedentes.Com relação a compra de animais de áreas sob embargo, o Ministério Público Federal está processando o Bertin por continuar comprando de áreas embargadas, justamente sob o decreto Decreto 6.514, que eles afirmam cumprir. Fazendas alvo de violência contra sem-terras são fornecedores regulares.E no caso de terras indígenas acabamos de provar que compraram, possivelmente pelo simples fato de não terem a menor idéia de onde as fazendas fornecedoras realmente ficam.O contrato da Bertin com o IFC exige o cadastramento de fazendas, regularização fundiária e licenciamento ambiental num prazo de 5 anos. Sempre alertamos (em carta do GT Floresta ao IFC, anterior à aprovação do empréstimo) que essescritérios eram impossíveis de serem cumpridos. Mesmo assim, o empréstimo foi concedido. Recentemente, em uma reunião do Grupo de Trabalho da Pecuária, criado pelo IFC, o banco informou que irá rever esses critérios, pois não é possível cumprí-los, numa mudança de princípios inadmissível.O que os frigoríficos precisam fazer:- Declarar uma moratória imediata para novos desmatamentos na Amazônia.- Criar um sistema de monitoramento que evite a compra de animais de fazendas em terras indígenas, com desmatamento ilegal e trabalho escravo. Para isso, devem informar que os a fazenda de origem e sua localização georreferenciada para cada lote de produto fornecido. Este tipo de sistema já existe hoje no Brasil para as vendas de carne fresca, resfriada e congelada realizadas pelos frigoríficos para a União Européia e o Greenpeace entende que o cidadão brasileiro não pode ser tratado como um cidadão de segunda classe. Esse sistema, que tem finalidade sanitária, precisa ser estendido para compreender também prerrogativas ambientais e sociais, além das carnes processadas e couro.Para isso, essas informações sobre as fazendas e seus proprietários devem ser cruzadas com listagens de cadastro rural, multas do Ibama, multas por trabalho escravo e guias de transporte animal (GTAs). Um sistema de análise de imagens desatélite deve ser implementado para monitorar a ocorrência de novos desmatamentos, com a exclusão imediata de proprietários rurais que desmatarem, a exemplo do que ocorre no processo da moratória da soja, declarada pela Abiove em 2006.As respostas das redes de supermercado:Pão de AçúcarO Grupo Pão de Açúcar mantém vários mecanismos e ações como forma de coibir o comércio de produtos ligados às cadeias produtivas da pecuária que não cumpram legislações trabalhistas e ambientais, a começar pelos nossos contratos de fornecimento. Neles, o fornecedor assina uma declaração compormetendo-se a atender as disposições especificas da legislação sobre proteção do meio ambiente e de segurança e medicina do trabalho. Outra ação realizada pela Companhia é o programa 'Tear', promovido pelo Ethos e pelo Fundo Multilateral de Investimento (Fumin), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O programa tem como objetivo promover a adoção de melhores práticas de produção e comercialização de carnes, baseadas em políticas de respeito aos direitos trabalhista e de preservação do meio ambiente reconhecidos mundialmente. Além disso, desde 2008, o Grupo Pão de Açúcar é signatário do Pacto Empresarial Conexões Sustentáveis, promovido pela ONG Movimento Nossa São Paulo e o Forum Amazônia Sustentável. A companhia participa do movimento em três esferas: pecuárias, soja e madeira. Com o pacto, o Grupo se compromete a não adquirir produtos de fornecedores que figurem na Lista Suja do trabalho escravo, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ou provenientes de terras embargadas pelo Ibama. A empresa acompanha os relatórios e documentos do órgãos como forma de monitorar eventuais irregularidades e toma medidas preventivas e punitivas do ponto de vista comercial no caso de comprovada qualquer infração. Em relação ao fato apontado pelo Greenpeace, a empresa informa que já convocou seus fornecedores para esclarecimentos a respeito das alegações e irá tomar as medidas cabíveis para que se faça cumprir o compromisso firmado em contrato com seus fornecedores e a política da empresa no que tange a uma gestão socioambientalmente correta.Wal-Mart Brasil O Wal-Mart considera muito graves as acusações do relatório do Greenpeace sobre a Amazônia e vai cobrar imediatamente esclarecimentos das redes de frigoríficos do Brasil. A empresa não tolera práticas ilegais da pecuária bovina e possui declarações formais dos fornecedores de carne garantindo que os produtos fornecidos à empresa não vêm de áreas embargadas pelo Ministério do Meio Ambiente ou da Lista Suja do Trabalho Escravo, do Ministério do Trabalho. Esses fornecedores são, seguindo orientação e exemplo do Wal-Mart, signatários dos Pactos Socioambientais da Soja, Madeira e Pecuária, além do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil, do qual o Wal-Mart é signatário fundador. O Wal-Mart também atua proativamente no sentido de participar da elaboração de políticas públicas socioambientais. Por meio de fóruns com fornecedores e ONGs, a empresa trabalha para ampliar a adesão de cada vez mais fornecedores aos pactos; inclusive inserindo nos contratos comerciais cláusula específica contra trabalho escravo e infantil. CarrefourO Carrefour afirma que é uma empresa comprometida com as práticas que contribuírem para a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento social. Os produtos que comercializa, inclusive nos açougues de toda a sua rede, são provenientes de contratos que seguem rigidamente as formalidades legais, exigidas pelas entidades reguladoras. Há dez anos, o Carrefour adota um programa específico de garantia de origem com critérios de rastreabilidade de seus produtos, que permitem um controle na cadeia produtiva, e está sempre disposto a dialogar no sentido de aprimorar suas práticas sustentáveis.Análise do Greenpeace às redes de supermercados:Embora as declarações dos fornecedores, esclarecimentos,cláusulas contratuais e participação em programas socioambientais sejam ações positivas, não são mecanismos eficientes para garantir a exclusão da destruição da Amazônia da cadeia de suprimentos dos supermercados. Prova disso é que o Ministério Público Federal acaba de comprovar grandes suprimentos de carne de áreas desmatadas ilegalmente e embargadas, para o Pão de Açúcar, Wal Mart e Carrefour.Os supermercados precisam exigir das empresas frigoríficas uma moratória imediata para novos desmatamentos na Amazônia.Além disso, devem exigir provas definitivas de que não estão comprando de fazendas em terras indígenas, com desmatamento ilegal e trabalho escravo. Para isso, devem solicitar que os frigoríficos informem a fazenda de origem e sua localização georreferenciada para cada lote de produto fornecido. Este tipo de sistema já existe hoje no Brasil para as vendas de carne fresca, resfriada e congelada realizadas pelos frigoríficos para a União Européia e o Greenpeace entende que o cidadão brasileiro não pode ser tratado como um cidadão de segunda classe. Esse sistema, que tem finalidade sanitária, precisa ser estendido para compreender também prerrogativas ambientais e sociais, além das carnes processadas e couro. Para isso, essas informações sobre as fazendas e seus proprietários devem ser cruzadas com listagens de cadastro rural, multas do Ibama, multas por trabalho escravo e guias de transporte animal (GTAs). Um sistema de análise de imagens de satélite deve ser implementado para monitorar a ocorrência de novos desmatamentos, com a exclusão imediata de proprietários rurais que desmatarem, a exemplo do que ocorre no processo da moratória da soja, declarada pela Abiove em 2006.Chama a atenção, nas declarações das empresas, o fato de os supermercados buscarem excluir de suas cadeias de suprimento apenas as fazendas envolvidas em trabalho escravo e desmatamento ilegal. Em um mundo preocupado com as mudanças climáticas, as grandes cadeias varejistas internacionais precisam ir além, e excluir todos os produtos relacionados a novos desmatamentos, de seus pontos de venda.

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RIO DE JANEIRO – Ao que tudo indica, os últimos 18 meses do governo Lula serão marcados por uma forte ofensiva ruralista contra os avanços conquistado

RIO DE JANEIRO – Ao que tudo indica, os últimos 18 meses do governo Lula serão marcados por uma forte ofensiva ruralista contra os avanços conquistados pelo Brasil em sua política ambiental. Seja por intermédio de suas bancadas na Câmara e no Senado ou através de suas entidades de classe, os setores ligados ao agronegócio e às obras de infra-estrutura estão mobilizados de Norte a Sul para reverter pontos da legislação ambiental por eles considerados como um entrave ao desenvolvimento produtivo do país. Essa contra-ofensiva passa pela aprovação no Congresso de duas Medidas Provisórias que alteram o atual Código Florestal e também pela tentativa de retirar da União e transferir aos estados a prerrogativa de definir as políticas ambientais.Já aprovada na Câmara, encontra-se agora em discussão no Senado a MP 452 que, apesar de originalmente tratar da regulamentação do Fundo Soberano, leva de “carona” uma emenda feita pelo relator, deputado José Guimarães (PT-CE), que acaba com a obrigatoriedade de concessão de licença ambiental para as obras a serem realizadas em rodovias federais já existentes. Além disso, a MP 452 também estabelece o prazo máximo de 60 dias para que o Ibama conceda as licenças de instalação para obras em rodovias, o que, na prática, fará com que estas obras possam ser iniciadas sem a obtenção das licenças.Existem atualmente em processo de análise no Ibama 183 pedidos de licenciamento em rodovias, dos quais apenas 82 já receberam licença prévia do órgão ambiental. As obras do PAC são responsáveis por 140 destes pedidos, fato que faz com que os parlamentares ligados ao agronegócio estejam otimistas em receber o decisivo apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Até o momento, nem o presidente nem a ministra externaram suas posições.Outra Medida Provisória que aguarda votação na Câmara, onde deverá ser aprovada, é a MP 458, que trata da regularização fundiária de terras pertencentes à União localizadas nos nove Estados da Amazônia Legal. Quando foi enviada ao Congresso pela Presidência da República, a MP 458 contava com o apoio do movimento socioambientalista, pois tinha forte cunho social ao determinar a regularização de propriedades de até 1,5 mil hectares. No entanto, as modificações introduzidas pelo relator, deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), desfiguraram a MP.Entre as alterações sugeridas por Bentes - e rejeitadas pelos ambientalistas - estão a inclusão de áreas devolutas localizadas em faixa de fronteira, além de outras áreas sob domínio da União, no processo de regularização fundiária, e também a retirada da exigência de que o ocupante não seja proprietário de imóvel rural em qualquer parte do território nacional. Além disso, o texto que deverá ser aprovado pelos deputados exclui o parágrafo que impedia a regularização de área rural ocupada por pessoa jurídica: “Essas novas regras legalizarão a grilagem, aumentarão a concentração fundiária e a violência no campo e incentivarão o desmatamento”, resume Raul do Valle, que é coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA).Senado decide
Assim como no caso da MP 452, caberá ao Senado dar a exata medida das chances políticas que tem a MP 458, na forma como está, de se tornar realidade. A disputa em torno das duas Medidas Provisórias será protagonizada por duas parlamentares de peso. De um lado, Kátia Abreu (DEM-TO), que é presidente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA) e tem se destacado como a maior liderança política dos ruralistas nesses seis anos e meio de governo Lula. Do outro, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (PT-AC), que tem enorme prestígio internacional e é a principal porta-voz política do movimento socioambientalista brasileiro.Em discurso realizado na tribuna do Senado na semana passada, Marina afirmou que “segmentos do agronegócio e da infraestrutura se revezam em um jogral de satanização das conquistas ambientais que a sociedade brasileira conseguiu inscrever no arcabouço legal de nosso país”. Segundo a ex-ministra, estes setores “agora estão imbuídos em convencer a sociedade brasileira de que a legislação que protege o que restou da floresta, que protege a nossa biodiversidade e as margens dos rios é a maior inimiga para o crescimento e expansão da agricultura no país”.Novo Código
Kátia Abreu, por sua vez, alia o comando da pressão ruralista no Senado à articulação nacional das principais entidades representativas dos grandes produtores. Também na semana passada, a senadora levou ao Congresso uma proposta elaborada em conjunto pela CNA e pela Sociedade Rural Brasileira (SBR) que sugere uma ampla reformulação no Código Florestal.Entre as mudanças propostas pelos ruralistas estão o fim da obrigatoriedade de recompor as Áreas de Proteção Permanente (APPs) no mesmo bioma onde houve desmatamento, a permissão para compor 50% da reserva legal com espécies exóticas ao bioma e a manutenção das áreas “consolidadas pela agricultura” mesmo em biomas considerados ameaçados.O ponto fundamental de um novo “Código Ambiental Brasileiro”, de acordo com o desejo dos ruralistas, seria a transferência para os Estados da atribuição de definir as políticas ambientais, o que hoje é prerrogativa exclusiva da União: “Se o governo federal descentralizou a saúde e a educação, por que não o meio ambiente também? Cada Estado tem suas peculiaridades ambientais e agrícolas e pode deliberar sobre elas”, diz Kátia Abreu.Governadores ruralistas
A pressão no Congresso - onde 33 propostas de alteração do Código Florestal já foram protocoladas por parlamentares ruralistas - acontece paralelamente à ação dos governadores mais ligados à cartilha do agronegócio. O governador de Santa Catarina, Luiz Henrique Silveira (PMDB), deu a largada ao usar sua maioria na Assembléia Legislativa para aprovar um código florestal estadual que, entre outras afrontas à legislação federal, reduziu para cinco metros a faixa de proteção das matas ciliares (localizadas às margens dos rios e lagos).As alterações na legislação ambiental apoiadas por Luiz Henrique em seu estado são objeto de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) movidas, respectivamente, pelo PV, pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público de Santa Catarina. Ainda assim, outros governadores, como Aécio Neves (PSDB) de Minas Gerais, falam em seguir o exemplo catarinense e já mobilizam suas bases de deputados para criar um código ambiental estadual.A governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), foi a mais recente adesão ao movimento de pressão pela criação de legislações ambientais estaduais que contradigam as leis federais. Mesmo acossada por uma ameaça de impeachment, Yeda encontrou tempo para exortar seus deputados a criarem um código ambiental estadual: “Cada estado deve ter uma legislação própria para decidir os rumos de suas riquezas ambientais. O Código Florestal Brasileiro tem mais de 40 anos e precisa ser modernizado e adequado às realidades regionais”, disse.


Fonte: Agência Carta Maior

O trabalho é um inferno: histórias da classe operária de nossos dias

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma agência das Nações Unidas, deu a conhecer em janeiro passado um relatório sobre "As tendências globais do emprego". O relatório explora o desemprego, a situação dos trabalhadores pobres e o emprego vulnerável. Os desempregados são os que não trabalham porém buscam trabalho de maneira ativa. Os trabalhadores pobres são os que têm um trabalho que não lhes permite manter-se acima da linha da pobreza. Há dois umbrais: $ 1,25 por dia (segundo os preços de 2005), que se considera "pobreza extrema", e $ 2 por dia, que é simplesmente "pobreza". As pessoas com emprego vulnerável são os autônomos (no relatório se os denomina trabalhadores por "conta própria") e também os trabalhadores que não recebem salário, porém são membros de uma família trabalhadora por conta própria. Na maior parte do mundo, o trabalho vulnerável é o que se denomina emprego casual: esses trabalhadores não têm relações formais com um empregador, por exemplo, um contrato de trabalho com salário por empreitada. Trabalhadores vulneráveis são, entre outros, um homem que vende bilhetes de loteria numa esquina, uma mulher oferecendo talões num estacionamento, um jovem que oferece passeios numa carreta de tração humana. Um exemplo do trabalho não remunerado que realiza um membro de uma família por conta própria: um menino que ajuda sua mãe a vender talões. Nem em todos os países, sobretudo nos ricos, o trabalho por conta própria é vulnerável. De qualquer maneira, em todos os países, e notadamente nos pobres, a grande maioria dos autônomos são pobres e vulneráveis.

A OIT criou três possíveis cenários, em 2009, para as pessoas incluídas nestas três categorias (desempregados, trabalhadores pobres e trabalhadores vulneráveis). A maioria dos economistas está perplexa pela profunda crise econômica que hoje aflige à maior parte do mundo: não puderam predizê-la, nem estão em condições de fazer diagnósticos sobre o alcance de sua gravidade. Ante a dúvida dos diagnósticos e dos prognósticos sobre o comportamento da economia global, e a modo de compensação, os economistas da OIT têm realizado três estimativas para as três categorias de emprego. Para nossos propósitos, não importam os detalhes dos três "cenários". Porém, dada a severidade da "Grande Recessão" que agora experimentamos - a mais profunda desde 1930 -, o cenário pessimista ou o terceiro parece o mais realista. Não se vislumbra um possível alívio no horizonte. Não, desde logo, no mundo do trabalho.

De acordo com o cenário pessimista, estes são os números de desempregados, trabalhadores pobres e trabalho vulnerável prognosticados para o final do presente 2009.

Desempregados: 230 milhões (ou 7,1% da força de trabalho mundial, composta aproximadamente de 3.240 milhões de pessoas).

Trabalhadores pobres: (com $ 2 por dia como umbral de pobreza): 1.377 milhões (que está perto de 46% da população trabalhadora mundial, composta, como lembrado antes, por mais de três bilhões de pessoas).

Trabalhadores vulneráveis: 1.606 milhões.

Dois esclarecimentos são necessários a propósito dessa cifras. Em primeiro lugar, a alguns leitores lhes poderá parecer baixo o número de desempregados, dada a profundidade do colapso econômico. De qualquer maneira, na maior parte do mundo o desemprego aberto não é uma opção; não tem rede de segurança que compense o desemprego, nem outros programas sociais de bem-estar. O desemprego significa morte; por isso as pessoas têm que encontrar emprego independentemente do quão pesadas que sejam as condiciones. Em segundo lugar, as categorias de trabalhador pobre e emprego vulnerável se sobrepõem parcialmente. Um ou uma autônomo pode ser ao mesmo tempo vulnerável e pobre, e conta como força de trabalho. De qualquer maneira, o membro de uma família sem arrecadação, segundo a definição estatística, só é vulnerável, e não conta no mercado de trabalho. Trata-se de insignificâncias estatísticas. Independentemente de como se leiam os números, são indicadores assombrosos da realidade do mundo do trabalho atual.

A esses tenebrosos números deveriam agregar-se outros: a OIT estima que no mundo de hoje trabalham, no mínimo, cerca de 200 milhões de crianças. A classificação da OIT sobre o trabalho infantil é complicada, porém bastará dizer que 75% desses infelizes meninos e meninas realizam as piores formas de trabalho: traficantes, soldados em conflitos armados, escravos, trabalhadores sexuais e outras ocupações perigosas e incapacitantes, como a construção ou a manufatura de tijolos ou tapetes.

É muito comum que os meninos trabalhadores vivam na periferia das cidades, ou que tenham sido forçados a abandonar seus lares rurais, às vezes "cedidos" em aluguel por seus próprios pais, para trabalhar nas cidades. Seus pais são camponeses - há uns dois bilhões no mundo - e seu futuro é cada vez mais precário. Sua relação com o campo é cada vez mais tênue, e ano após ano vem aumentar as filas dos cidadãos do que Mike Davis tem chamado "o planeta das cidades miséria". Não tem crescimento econômico que possa absorvê-los no proletariado tradicional, e muito menos em trabalhos melhores.

Para quase todos os habitantes do mundo, o trabalho é o inferno. A crua e triste verdade é que a imensa maioria tem de ser rebaixada, humilhada, lesionada, deformada mental ou fisicamente, e até, com não pouca freqüência, mortalmente sacrificada no processo de trabalho, para que uns poucos se enriqueçam. Sou consciente de que as estatísticas são piores por causa da crise. Porém se transformará o mundo do trabalho quando volte a subir o PIB e os índices de desemprego decaiam? Começaremos então a "nos inclinar à utopia", para usar uma frase impropriamente patética do economista de Berkeley J..Bradford De Long, que parece acreditar que realmente estamos a caminho de um mundo com renda de classe media e operários satisfeitos?. Asseguro-lhe que não.

Falou-se que o diabo está nos detalhes. Por isso, para outorgar maior força aos dados, acrescentarei exemplos concretos. Estou seguro de cada leitor poderia oferecer exemplos por sua conta.

Um trabalhador da indústria automobilística

Vejamos a descrição que fez um trabalhador da indústria automobilística, Ben Hamper, em seu livro Rivethead , quando visitou a fábrica onde trabalhava seu pai para ver o que fazia. Disse assim:

"Estivemos uns quarenta minutos ou algo assim, uma vida inteira em miniatura, e a pauta não variava nunca. Auto, pára-brisas. Auto, pára-brisas. Trabalho duro, e mais trabalho duro. Cigarro após cigarro. Décadas batendo e pranchando vigas, os ossos feitos pó, obstinados relógios amordaçando as carnes, outro para-brisas, outro cigarro, guerras intermitentes, tormentas que murmuram o alfabeto, colrnéias adormecidas ou mortas sobre cabos de alta tensão, esse polvo mecânico contorcidamente solto sobre nada, nada de nada."

Hamper chama as modernas fábricas de automóveis de gulags.

Mira, a menina prostituta

Auxiliemos ao caso de Mira, uma menina prostituta de Bombaim que aos treze anos foi enviada por seus pais do seu povoado para o Nepal, para trabalhar como empregada doméstica, segundo pensavam seus pais. Há pelo menos 20.000 meninas prostituídas em Bombaim, "expostas em fila, como nas gaiolas de animais do zoológico". Disse-nos que:

Quando Mira - uma virgem angelical de pele de cobre - se negou a fazer sexo, foi arrastada a uma câmara de tortura num escuro beco disposto para "acomodar" as novas meninas. Fecharam-na numa habitação estreita, sem janelas, sem comida nem água. Ao quarto dia, quando ainda se negava a trabalhar, um dos empregados da madame chamou um gangster que a jogou no chão e a espancou, até que eladesmaiou. Quando despertou, estava nua; haviam lhe introduzido na vagina uma vara cana untada de pimenta. Logo, o gangster a violou. Mila confidenciou numa reportagem que "te torturam até que digas sim", porque "ninguém ouvirá o teu choro".

O caso da pequena Irfana, escravizada

Consideremos o caso de Irfana, uma menina paquistanesa vendida aos seis anos ao dono de um forno de tijolos. Ela descreve sua vida deste modo.

"Meu amo nos comprava, vendia e trocava, como se fôssemos ganho, e, em ocasiões, nos embarcava e viajávamos a grandes distâncias. No geral, maltratavam os homens para que trabalhassem mais. Freqüentemente, as mulheres éramos violadas. Minha melhor amiga adoeceu logo após ser violada, e quando já não pode trabalhar, o amo a vendeu a um amigo de um povoado a mil quilômetros de distância. Nunca comunicaram seu paradeiro à família e nunca mais a viram."

Como Mary Anne Walkley, a chapeleira imortalizada por Marx

Recorde-se o caso de Mary Anne Walkley, a chapeleira imortalizada por Karl Marx no Capital. Mary Anne morreu faz 146 anos, porém sua história poderia ser contada hoje, e não só por trabalhadoras meninas como Mira e Irfana, senão que por centena de milhares de confeccionistas de penhores que trabalham em infernais oficinas em condições tão terríveis como as da menina Walkley, e, desde logo, não só na Índia ou no Paquistão, senão que aqui, nos mesmíssimos Estados Unidos da América. Sim, se você dá uma volta pelas ruas de Chinatown em Manhattan, verá os vapores procedentes de centenas de oficinas infernais nos quais as Mary Anne de nossos dias consomem suas vidas. Marx dizia:

"Na ultima semana de junho de 1863, todos os diários de Londres duplicaram um texto com um título 'sensacionalista': "'morte por simples excesso de trabalho'. Contam a morte de uma chapeleira, Mary Anne Walkley, de 20 anos, empregada num respeitabilíssimo estabelecimento de confecção de prendas de trajar explorado por uma dama que responde ao encantador nome de Elisa. A velha e tantas vezes narrada história, contada uma vez mais. A colegial trabalhava uma média de 16 horas e meia, e, em plena temporada, até 30 horas seguidas sem interrupção, proporcionando-lhe, para diminuir sua desmaiada capacidade de trabalho, ocasionais bebericações suplementares de xerez, porto e café. Agora estávamos precisamente no momento culminante da temporada. Num abrir e fechar de olhos, havia que dar os últimos pontos aos egrégios tocados que haviam de levar as nobres damas convidadas ao baile organizado em homenagem a uma recentemente importada India de Gales. Mary Anne Walkley havia trabalhado sem parar durante 26 horas e meia, ao lado de outras 60 meninas, 30 delas acomodadas numa habitação que apenas proporcionava um terço dos metros cúbicos de ar que necessitavam. Pela noite, dormiam duas num dos sufocantes buracos em que dividiam com divisórias a habitação. E isso foi num dos melhores pensões de Londres. Mary Anne Walkley caiu doente na sexta-feira. Morreu no domingo. Sem que, para desgosto de Madame Elisa, houvesse podido terminar o trabalho que tinha em mãos."

Trabalhadores em cruzeiros

Vejamos o caso de quem trabalha em cruzeiros. No geral, os cruzeiros estão registrados em países como Libéria e, por tanto, são imunes às leis trabalhistas norte-americanas. Quase sempre, as pessoas de cor dos países pobres têm a seu cargo os trabalhos mais pesados. Seu salário é baixo e a jornada de trabalho grande. Geralmente, quando por alguma razão resultam feridos gravemente durante a jornada de trabalho e precisam ser hospitalizados, são forçados a voltar ao seu país de origem em busca de atendimento médica, inclusive no caso do que nos EEUU existam melhores tratamentos. Um trabalhador caribenho escorregou na cozinha enquanto transportava uma grande caldeira de óleo. O óleo queimou gravemente sua perna e sua face. O enxotaram de um hospital em Anchorage, Alaska, e o forçaram a tomar vários vôos de regresso a casa. Então, no desespero, conseguiu chamar sua mãe e durante uma escala em Miami pode se comunicar com um advogado amigo da família. O advogado conseguiu que o atendessem em Miami e processou a companhia navegadora. A companhia se vingou denunciando-o às autoridades de imigração, que finalmente o deportaram.

No restaurante

Consideremos ao empregado de um restaurante, o Sr. Zheng. Os empregados de restaurante de Manhattan trabalham, em média, mais de 100 horas semanais e ganham a miséria de 2 dólares por hora. Assim Zheng descreveu a vida um jornalista:

"Após ter chegado há três anos no país, procedente da província costeira de Fujian (na China), o Sr. Zheng ( 35 anos) ainda trabalha para pagar uma dívida de 30.000 dólares aos traficantes que organizaram sua viagem em distintos barcos até chegar ao destino. Para pagar o aluguel, sobram apenas uns poucos dólares de seu exíguo soldo como ajudante de garçom, de modo que divide a moradia com 11 amigos. Compartem um quarto com beliches de três andares, com uma passagem estreita entre elas, semelhante a um corredor. É uma habitação simples, uma mais entre uma dúzia de quartos num complexo de três arranha-céus em Allan Street. Repartem um aluguel de 650 dólares ao mês, pagando 54 cada um.

"Como os demais,o Sr. Zheng custodia seus escassos pertences numa bolsa de plástico debaixo do colchão, e como decoração, penduram em seu retangulozinho de parede uma bolsa de ervas medicinais e uma pintura naif. "

Taxista em Nova York

Tomemos o caso de Koffee, motorista de táxi em Nova York, um africano que vive na cidade há trinta anos. Numa entrevista ao jornal Punching the Clock (PTC) disse:

PTC: Então, quantas horas conduz ao dia?

Koffee: Doze horas, de cinco a cinco.

PTC: Quer dizer que faz um turno de doze horas?

Koffee: Assim é o setor, já se sabe, é o que se faz. Em menos de treze horas não se pode fazer nada... Algumas vezes trabalha-se doze horas, e volta-se para casa com menos de 20 dólares no bolso.

PTC: Que faz com seu tempo livre?

Koffee: Tempo livre? Descanso. Com esse trabalho, depois de doze horas não se pode fazer nada. É um trabalho que arbusto. Sentado e dirigindo durante doze horas, chego em casa e vou dormir. Quando acordo, é só tenho tempo de pegar algo para comer.

Uma voz do passado, tão presente

Ouçamos a voz de um trabalhador desempregado durante a primeira depressão nacional, na década de 1870. Com algumas variações, o que disse poderia dizê-lo qualquer um que haja experimentado a brutalidade de um desemprego por muito tempo, desde os camponeses na época das secas em 1930, até as vítimas do fechamento maciço de fábricas das ultimas duas décadas, passando pelos milhões de miseráveis desempregados na África, na Ásia e na América Latina. Ou então pergunte ao próximo sem teto que lhe venha pedir esmola na rua.

"Faz três meses, quando por desgraça fiquei sem um centavo, comecei a procurar emprego em Nova Iorque. Sou mecânico e acredito que sou competente em meu trabalho. Durante este ano me desloquei por dezessete estados e tudo o que obtive foram seis semanas de trabalho. Eu enfrentei a fome; durante alguns meses, quando o termômetro baixava a 30 graus abaixo de zero, não tinha nem cama para dormir. No último inverno dormi nos matos e, enquanto procurava trabalho honrado, estive dois ou três dias sem comer. Quando, apelando à clemência de Deus, pedi alimento para meu corpo e para minha alma, fui tachado de 'vagabundo'."

O trabalho em labores agrícolas

Consideremos o trabalho agrícola, um dos pior pagos em toda parte e dos mais penosos. Curvados sobre a colheita, com calores e frios terríveis, trabalham ao lado de seus filhos pequenos e sem comida suficiente, como é o caso dos trabalhadores das plantações de café que não podem dar-se ao luxo de comprar o grão que colhem. Isso é o que conseguiu o "livre mercado" no México, ao sul da Califórnia e do Arizona:

"Nos campos, tem um quarto de banheiro público portátil para vários centenas, e um tambor metálico sobre rodas que fornece água....Os pequenos engatinham entre os trabalhadores sentados, alguns deles mamando mamadeiras enquanto outros, com suas carinhas sujas de pó, mastigam cebolas... Uns poucos dormem em tonéis ou em colchonetes improvisados com caixas de legume. Quando o sol da amanhã ilumina o rosto dos trabalhadores, descobre dezenas de meninos e meninas. Fazendo um cálculo grosso, é possível que um quarto dos trabalhadores nesse e em qualquer lugar parecido, tenham entre 6 ou 7 e 15-16 anos. Honorina Ruiz tem 6. Está sentada em frente a uma pilha de cebola verdes. Faz pilhas de oito ou nove cebolas, alinhando talos e cabeças. Logo desfaz a porcaria, põe uma banda de borracha ao redor das cebola e as acrescenta ao grupo das que já estão na caixa próxima. É muito tímida para dizer algo mais do que seu nome, porém parece orgulhosa de ser capaz de fazer o que seu irmão Rigoberto, de treze anos, considera que faz muito bem... Esses são os meninos esquecidos do México."

Embaladores

Vejamos o caso dos trabalhadores embaladores, que preparam a comida que termina servida em nossas mesas. Antes da vinda das modernas tecnologias produtivas, os desacompanhados nomes desses trabalhadores evocavam a visão do inferno: aldabones, garçons de bar de corda, quebrapernas, pelapés, açougueiros, desventradores, fendedores, lugres... Esse trabalho o faziam então os trabalhadores imigrantes europeus e afroamericanos. Hoje o fazem os novos imigrantes da América Latina e da Ásia, e embora os nomes tenha mudado, o trabalho continua sendo sujo e perigoso:

As empresas empacadoras de carne de rês, cedro e ave têm conscrito agressivamente os trabalhadores estrangeiros mais vulneráveis, os quais são trasladados aos EEUU em troca de um trabalho de 6 dólares por hora na indústria mais perigosa do país. Esses trabalhos apenas requerem continuidade e praticamente têm desaparecido os conceitos de promoção e incrementos salariais significativos. Para essa próspera indústria, não é obstáculo que a metade desses novos imigrantes sejam ilegais: dispõem de uma força de trabalho amenizada e disciplinada com uma agressiva rotatividade.

Os assombrosos níveis de doenças, mutilações ─ 36% dos trabalhadores da carne ─ e estresse gerados por um trabalho difícil e repetitivo trazem com frequência consigo a pouca duração do emprego: uns quantos meses, até que o trabalhador se vai ou a companhia o força a deixar o trabalho. Os controles públicos de segurança têm decrescido em 43% em seu conjunto desde 1994, em consequência dos cortes no orçamento e de uma inclinação crescente a favor das empresas privadas por parte da Administração para a segurança e a saúde do trabalho.

Nos hotéis

Consideremos o caso de Michael, que aceitou um trabalho administrativo num hotel depois de trinta e dois anos como professor de escola. Michael disse:

Pensei que no hotel teria o luxo de não ter que me preocupar pelo que faria amanhã. Porém, se bem que é certo que não tinha de preparar o trabalho do dia seguinte, o trabalho do dia é o que me passava a fatura. O trabalho era esgotante; estava o dia inteiro em pé. Ao final da jornada era livre, porém estava exausto para fazer qualquer coisa. Geralmente, tão como as 7 da tarde já me sentia adormecendo nem bem abria um livro. E em alguns dias ─ especialmente no domingo, que era o pior quanto à intensidade do trabalho e as reclamações dos clientes ─, não conseguia dormir. As chaves que digitava no computador durante todo o dia permaneciam na minha cabeça desenhando uma espiral interminável e continuava chateado por causa das conversas que mantivera com hóspedes iracundos. A segunda-feira pela amanhã chegaria e eu deveria estar às 7 no trabalho, não conseguia pôr o sono ao dia até a sexta-feira pela noite. O mundo do ensino havia gerado muita ansiedade em mim, porém esse trabalho era física e psiquicamente incapacitante. Era impossível imaginar trinta e dois anos nesse trabalho.

No escritório

Consideremos o caso de Kimberly e Helen, dois empregados temporários de escritório, dois dos milhões de trabalhadores de escritório no mundo inteiro. Assim descrevem seu trabalho:

"Trabalho mínimo. Aborrecimento. E falta de estímulos. Preferiria ver-me com uma planilha eletrônica, tratando de imaginar como montar uma planilha eletrônica, antes que simplesmente digitar os números. Um chefe que te trata como um trabalhador temporário e é exatamente o mesmo, sempre te vigiando ou te ignorando completamente. Nem lembra o teu nome e diz: "Oh, acabo de pôr isso aqui. Aguardaremos até que outro fulano torne a trabalhar nisso".

"Isolamento. Carência de recompensas. Monotonia. Subemprego. Teus recursos, tuas capacidades, tua inteligência, todo isso jogado para o lado. Quero dizer, não tem troco. Não sinto senão desesperança, paralisias. Não tem incremento nenhum da atividade cerebral. Inclusive quando eles descobrem algo novo de ti, até assim, não confiam em te encarregar de algo mais. Porém a solidão é propriamente solidão. O almoço em solidão, cada dia. E nunca ninguém pergunta algo pessoal. Como as secretarias, que nunca se interessam: de onde és? Que tens feito?"

Professores

Consideremos o caso de Beverly Peterson, um professor de universidade que após passar grande parte de sua vida na universidade para obter o seu doutorado, se converteu numa "professora cigana", ensinando aqui e ali e em qualquer lugar, sob condições terríveis e por muito pouco dinheiro. Perto de 40% dos nossos professores o são hoje em tempo parcial, e ganham ao redor 2.000 dólares por curso, sem benefícios de bem-estar social. (Para contrastar: eu ganho 8.000 dólares por curso, e tenho incluídos todos os benefícios de bem-estar social.)

Desde que foi aprovado nos exigentes exames da Universidade William and Mary em 1992, Beverly Peterson nunca teve um posto de trabalho em tempo integral em algum departamento de Estudos Americanos. Após três anos, 121 cartas e dois entrevistas, ainda está procurando um posto de trabalho permanente. Disse esta professora interina de 44 anos, que chegou uma vez a ser professora de inglês numa Escola Superior: "Estou tão acostumada a receber cartas de rechaço; dizem: você é uma aspirante entre 800 para dois postos". Enquanto especula com a possibilidade de obter um cargo definitivo no estado da Pensilvânia, Peterson faz o mesmo que muitos doutorados recentes: para subsistir, soma dois postos de professora interina.

Peterson viaja regularmente em seu automóvel de sua casa em Smithfield, Virginia, até seus locais de trabalho na Universidade Thomas Nelson Community, em Hampton, a 40 minutos de sua casa, e depois em direção à Universidade William and Mary, em outros 40 minutos. No barco em que deve atravessar o rio James para vencer este último trecho de seu via-crúcis, soi trabalhar com notas e materiais para o ensino, o último deles, uma reinterpretação da Cabana do Pai Tomás. O contador de quilometragem de seu Chevrolet ─ de apenas quatro anos ─ marca 97.000 milhas. Peterson disse: "Eu gosto do meu trabalho, porém desejo poder fazê-lo em circunstâncias menos complicadas".

Uma história excepcional é a de Fúria Salomon ─ uma professora de história em East Saint Louis, em Illinois ─, cidade de uma pobreza extrema. Deixou isso dito numa entrevista com Jonathan Kozol, o autor de Savage Inequalities :

" 'De nenhum maneira é a pior escola da cidade', me disse quando estávamos sentados na sala do primeiro andar do Instituto. 'Pero nossos problemas são brutais. Nem sei por onde começar. Não tenho materiais, salvo um simples texto que se entrega a cada garoto. Quando proponho outra coisa ─ livros, vídeos ou revistas ─, os pagamento saem do meu bolso. O Instituto não tem vídeo-gravadora. E é uma ferramenta fundamental. Tem tantas coisas boas na televisão pública! O equipamento audiovisual que existeno prédio é tão velho que nos pressionan para que não o usemos'...."

" 'Dos 33 rapazes que começam o curso regular de história', disse, 'mais de um quarto abandonam no semestre de primavera... Neste momento, quatro meninas da minha sala de aulas do secundário estão grávidas, ou acabam de ser mães.' Quando pergunto o que aconteceu, me diz: 'Bem, não há nenhumaa razão para não ter um menino. A escola pública não me oferece muito'. A verdade é que um diploma de uma escola pública de um ghetto não serve para muita coisa nos Estados Unidos de agora... 'Você sabe, há injustiças tão amargas' ...

"Muito pouco da educação recebida na escola seria considerada acadêmica nos bairros residenciais. Talvez entre 10 e 15% dos estudantes estão em programas genuinamente acadêmicos. De 55 % dos estudantes que se diplomam, 20 por cento assistem a faculdades de quatro anos: algo assim como 10% do curso. Outros 10 a 20 por cento podem receber outro tipo de educação superior. Um número igual se alista nas forças armadas...

"'Às vezes me aborrece, porque começo a ficar esgotada. Odeio perder um dia de aula, porque, o mais frequente é que o Departamento não consiga encontrar um substituto para esta escola, e às minhas crianças não lhes agrada que eu esteja ausente'".

A cobertura de bem-estar social

Vejamos o caso de Úrsula e Joy, duas mães cobertas pela assistência social, que trabalham duro para manter unida a família, mas que foram excluídas da lista oficial de trabalhadoras desempregadas e que têm recebido o vilipêndio da sociedade "respeitável".

Úrsula: Eu costumava-se ficar deprimida por depender da assistência social. Havia algo que me fazia sentir menosprezada. Eu me sentia degradada. Eles querem saber de onde tiras isso, ou quem te ajuda a mandar a tuas crianças à escola. Se não pagar a conta d'água este mês não fosse necessário para que os meninos pudessem ir à escola no próximo mês, não a pagaria. Porém esse é o meu problema. Eu não gosto que se intrometam se alguém me ajuda ou me paga qualquer coisa.

Joy: Quando dependes da assistência pública, é como se ficasses com o dinheiro do outro e não trabalhasses para consegui-lo. Não o fazes por tí mesma. Quando obtive meu primeiro cheque do seguro social me lamentei estranhada, porque comparei isso com receber um cheque por meu trabalho. Sabia o que significava cada coisa. A gente costumava-se dizer. "bom, estás ficando com o dinheiro de gente que trabalha e não estás trabalhando," "Me sinto esquisita por ser uma pessoa localizada no outro lado neste caso". Esta é minha primeira experiência com a ajuda social. Nunca ninguém em minha família dependeu da assistência pública, somente eu. Minha mãe e minha avó trabalharam no governo. Eu fui a primeira pessoa que alguma vez recorreu ao seguro social.

Eu não gosto das pessoas que trabalham nos escritórios do seguro social. São desagradáveis comigo. Têm má vontade comigo. Se comportam de uma forma presunçosa, e não gostam de fazer o seu trabalho. Atuam como se o dinheiro saíra justamente de seus bolsos. Penso que se vou com uma atitude agradável ─ porque me consta que tem gente que é desagradável com eles ─, então se comportariam de maneira diferente. Porém isso não ajuda, seguem sendo antipáticos.

Num berçário

Leiamos agora um memorando enviado por um supervisor a um grupo de trabalhadores de um berçário diurno. Recorde-se que os trabalhadores desses centros são gente de considerável experiência e de grande capacidade na atenção dos meninos, porém se lhes paga menos que aos vigilantes de um estacionamento de automóveis:

"Agora mais que nunca, nós, como profissionais, estamos sob o escrutínio de nossos clientes. Desejam observar-nos e questionar-nos para estarem seguros do que seus filhos, a nosso cargo, estão sãos e salvos. Nossa tarefa é fazer o melhor que podemos quando tem uma inspeção dos clientes. Eles escolhem o lugar onde querem que estejam seus filhos. E nós temos que reforçar-lhes a idéia de que sua escolha foi a correta. Temos que lhes dar aquilo pelo que eles pagam, a cada minuto do dia. Temos que cumprimentar pais e crianças por seus nomes quando chegam pela amanhã e quando se retiram no final do dia. Devemos trabalhar com os meninos e cumprir seu dever de casa, de manhã e de tarde. Não se permite sentar-se à mesa, cochichar com os outros professores, assear-se ou fazer qualquer outra coisa que não seja interagir com as crianças... Lembrem-se a todo instante: o cliente sempre tem razão e nós sempre devemos fazer o melhor para os meninos. Isso é o que devemos a essas pessoinhas!"

Trabalho na prisão

Vejamos o caso do prisioneiro Dino Navarrete, um dos dez mil trabalhadores presos que trabalham no "complexo industrial da prisão", que colabora com as empresas privadas para obter superlucros. Pode haver um trabalho mais degradante, escravatura total à parte?, De qualquer maneira, trata-se de uma indústria em expansão. Os EEUU encabeçam a lista mundial de tamanho daa população carcerária, que agora se aproxima do milhão e meio de presos, sendo a maioria dos reclusos gente de cor.

Dino Navarrete, encarcerado por um delito de sequestro, não sorri muito quando contempla as maquinas de costura na oficina carcerária que não para de crescer e prosperar no presídio Solidão. O homem, baixo e robusto, com tatuagens que cobrem seu musculoso antebraço, ganha 45 centésimos a hora para fazer camisetas azuis de trabalho nessa prisão de média segurança localizada perto de Monterrey, Califórnia. Após as deduções, ganha cerca de 60 dólares por mês, trabalhando jornadas de 9 horas.

"Te botam na máquina para que trabalhes para eles", disse Navarrete. "Ninguém quer fazê-lo. Estes trabalhos são uma chatice para a maioria dos internos daqui. Faz tempo que a Califórnia deixou de considerar que o trabalho reabilita os presos. Os guardas só querem tê-los ocupados. Se os prisioneiros se negam a trabalhar, os trasladam a lugares de castigo e perdem o privilégio da taberna. E, ainda mais, perdem a possibilidade de diminuir a pena por 'bom comportamento'."

Navarrete se surpreendeu ao saber que a Califórnia estava exportando roupa confeccionada na prisão para a Ásia. Nem ele nem os outros prisioneiros tinham idéia do que a Califórnia, junto com o Oregón, estavam fazendo aquilo pelo que fustigama China: exportar bens confeccionados na prisão. Então, disse Navarrete, " a isso também se pode denominar trabalho escravo". "Se o estão vendendo em ultramar, então se sabe que estão fazendo dinheiro. Onde vai a parar esse dinheiro? Para nós, não é".

Deficientes

Consideremos o caso de Larry McAffe, que ficou tetraplégico depois de um acidente de motocicleta. Como outras dezenas de milhões de pessoas deficientes, queria trabalhar, e poderia fazê-lo se a sociedade lhe houvera proporcionado os meios. Em vez disso, o que fizeram foi enviá-lo diretamente ao horrível mundo de pesadelo do "cuidado" da saúde, mundo cuja principal hipótese inicial de trabalho é que resulta muito caro lograr capacitar para o trabalho a pessoas como Larry. Larry chegou a pleitear em tribunais que o deixassem morrer, algo que tribunais, médicos e companhias de seguros ─ que se diriam sequazes de alguma versão de darwinismo social ─ parecem empenhados em estimular.

McAfee lhe disse ao jornalista Joseph Shapiro, do Informador "US News and World Report", que havia odiado perder o controle sobre o seu corpo, porém que era pior perder o controle sobre a sua vida. Esperava poder continuar contribuindo com a sociedade, porém se revelou que em cada intenção realizado estava bloqueado por uma situação sem saída. Dado que não dispunha de um serviço de assistência pessoal, McAfee teve que ser institucionalizado; o que significa que não podia fazer pedidos de trabalho ou tomar cursos de computação; e falta de capacitação implica falta de possibilidade de emprego; e o emprego em si mesmo pode significar que os desincentivos ao trabalho construídos pelas políticas para os deficientes põem em risco a possibilidade de ter os meios para sobreviver. Como poderia uma pessoa motivada não resultar abatida por esses obstáculos aplastantes?

Um trabalhador normal e corrente

Consideremos o caso de Mike Lefevre, um trabalhador "corrente". Isso é o que disse Studs Terkel, autor de um livro genuinamente excepcional, entitulado Working:

"Pertenço a uma espécie em extinção: um trabalhador. Trabalho puramente muscular: levantar, baixar. Administramos entre catorze e quinze mil libras de ferro por dia. Já sei que resulta árduo de acreditar: desde quatrocentas libras até peças de três e quatro libras. É de matar...

"É difícil lamentar-se orgulhoso de uma ponte que nunca atravessarás, de uma porta que nunca abrirás. Produzimos em massa e nunca vemos o resultado final. Uma vez fiz um trabalho para um caminhão, e tive uma pequena satisfação quando o carreguei. Esqueça-te disso numa fábrica de aço. Nunca vemos aonde vai nada.

"Numa ocasião, meu capataz resmungou comigo. Disse: "'Mike, és um bom trabalhador, porém tens uma má atitude'. Minha atitude consiste em não emocionar-me com o meu trabalho. Faço meu trabalho, porém não digo "que milagre!". O dia que me emocione com meu trabalho será o dia em que me topo com um redutor de cabeças selvagens. Como vais a emocionar-te administrando aço? Como te podes emocionar, se estás destroçado e no única coisa que pensas é em sentar-te?

Não é só o trabalho. Alguém construiu as pirâmides. Sempre tem alguém atrás de uma construção. Pirâmides, o Empire State Building. Essas coisas não saem do nada. Tem trabalho duro atrás delas. Eu gostaria de ver um edifício, digamos o Empire State, gostaria de ver num de seus lados uma tira de cima a baixo com os nomes de cada um dos pedreiros, eletricistas, com todos os nomes. De maneira que, quando um dos meninos passasse por aí, pudesse tomar a mão de seu filho e dizer-lhe. "'Olha, esse sou eu, por aí, no andar quarenta e cinco'."

Vozes dolentes

Escutemos para terminar ao coro das vozes dolentes, procedente também de livro, já mencionado, Working :

"Prevalece na imensa maioria um descontentamento apenas encoberto. Os blues dos trabalhadores manuais não são mais amargos que os gemidos dos escriturários. "'Sou uma máquina', disse o soldador. "'Estou entre grades', disse o caixa do banco. E o administrativo do hotel faz eco de tudo isso. "'Sou uma mula de carga', disse o trabalhador do aço. "'Um engraçadinho poderia fazer o que eu faço', disse o recepcionista. "'Sou menos que o utensílio mais insignificante dos trabalhos agrícolas', disse o trabalhador imigrante. "'Sou um objeto', disse a Modelo de alta costura. Trabalhadores manuais e burocratas repetem em uníssono: "'sou um robô'. "'Não temos nada do que falar', disse o contador desesperado. Passaram-se já uns quantos anos desde que John Henry cantava aquilo de que 'Um ser humano não tem de ser outra coisa que um ser humano'. O feito duro e nada romântico é este: morreu com o martelo na mão, enquanto a máquina seguia com seu bombear rotineiro. De qualquer maneira, encontrou a imortalidade. É recordado."

24/05/09

Michael D. Yates é editor associado da veterana revista socialista norte-americana Monthly Review. Seu livro mais recente é: In and Out of the Working Class.

Tradução para www.sinpermiso.info: María Julia Bertomeu
Tradução para o português: Sergio Granja
Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis

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Analisaremos o conteúdo e postaremos conforme aprovada pelo conselho de redação.


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