Com um dos maiores spreads do mundo, setor bancário brasileiro corrobora para que a crise econômica cresça no país
12/02/2009
Eduardo Sales de Lima
da Redação
Os bancos no Brasil parecem não estar sendo afetados pela crise econômica mundial. Seus lucros, obtidos em grande medida por meio do spread (diferença entre os juros que pagam para obter empréstimos e a taxa que cobram quando oferecem crédito), criam obstáculos internos ao desenvolvimento produtivo do país, refletindo, ao final, no desemprego. A política monetária brasileira beneficia sobretudo os banqueiros que, ao seu bel-prazer, traçam seus próprios critérios operacionais para estruturar o spread.
O Banco Santander é um exemplo de como o Brasil fez com que a tempestade da crise se transforme numa refrescante chuva de verão para os bancos. A empresa registrou em 2008 uma redução de 2% de seu lucro em relação a 2007, atingindo 8,8 bilhões de euros. No Brasil, porém, seu lucro foi 22% maior, alcançando 1,1 bilhão de euros, que em reais representa R$ 3,2 bilhões.
O Santander é o terceiro banco que cobram mais caro pelo cheque especial, contabilizando 9,9% de taxa de juros ao mês. Se você tiver dívidas com essa instituição, talvez já tenha se convencido de que o Brasil é o melhor cenário para o lucro bancário e o pior cenário para o crédito.
Lucro embutido
É no índice do spread bancário que está embutido boa parte do lucro dessas empresas financeiras. Grosso modo, é a soma do spread com a taxa de captação (o custo de obtenção dos recursos financeiros pelos bancos comerciais) que formam os juros cobrados sobre os empréstimos a pessoas físicas ou jurídicas. Já o spread é composto por impostos, depósitos compulsórios, despesas administrativas, risco de inadimplência e, claro, a margem de lucro.
Ao longo de 2008, os brasileiros pagaram um spread médio de 26,6 pontos percentuais. Em dezembro, o índice chegou a 30,6%. A média praticada em outros 42 países pesquisados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que representam mais de 90% do PIB mundial, é de três pontos percentuais.
No último trimestre de 2008, conforme a Fiesp, o setor industrial brasileiro despendeu R$ 5,5 bilhões, em média, por mês, só para pagar juros, ante uma média mensal de R$ 4,4 bilhões entre janeiro e setembro. No custo para captação de recursos dos bancos, entretanto, a média passou de R$ 3,72 bilhões para R$ 4 bilhões. Quer dizer, os juros tiveram um aumento de 25% enquanto a taxa de captação contou com uma variação de 7,5%.
Spread contra emprego
“Não há a menor dúvida de que o spread bancário é um gigantesco entrave ao desenvolvimento, inclusive ao gerenciamento da crise que está se aprofundando”, lembra Reinaldo Gonçalves, economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
É preciso compreender que, não somente no momento de crise, é esse lucro dos bancos, embutido no spread, que resulta nos juros altos. Estes, por conseguinte, dificultam o investimento produtivo de empresas e retêm o crédito a pessoas físicas. Toda essa onda vai na direção contrária ao desenvolvimento econômico. Quando ela quebra, é o trabalhador que paga o preço, perdendo seu emprego.
A desaceleração na expansão da oferta de crédito teve um impacto direto nas empresas. Somado aos demais efeitos da crise (como a dificuldade de captar recursos no exterior e a queda das exportações), a alta do custo financeiro contribuiu para a redução da atividade econômica. Tanto que a produção industrial caiu 7,5%, de setembro para novembro. E a situação ficou ainda pior. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que houve recuo de 1,8% no nível de emprego na indústria em dezembro, quando comparado a novembro.
Mais um dado revela como o capital financeiro se sobressai ao capital produtivo no Brasil. Segundo a Fiesp, na média, entre outubro e dezembro, os desembolsos para pagamentos de juros foram 11% superiores aos gastos com salários. De janeiro a setembro, a média das despesas financeiras correspondia a 95% dos gastos mensais com salários. Para Denise Gentil, diretora adjunta de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), esses juros altos, que comprimem os investimentos, também desestimulam o consumo. “No todo, haverá uma redução de demanda agregada e, por conseqüência, o aumento do estoque das indústrias. E aí as indústrias se veem diante de trabalhadores que elas não têm condições de sustentar nas fileiras de trabalho”, explica.
Disfuncional
O governo cobra dos bancos que liberou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), reduziu a taxa do depósito compulsório e a Selic em janeiro e, mesmo assim, os juros finais não caíram. Os bancos, por sua vez, culpam o fator inadimplência pela elevação do índice.
O economista José Carlos de Assis, presidente do Instituto Desemprego Zero, desconsidera o argumento e acusa justamente o alto spread cobrado pelos bancos como o principal culpado da inadimplência dos clientes, pelo simples fato de não conseguirem pagar as altas taxas. De acordo com ele, é por essas e outras que o sistema bancário nacional se tornou disfuncional e criou um círculo vicioso quanto à falta de acesso ao capital produtivo. É, sobretudo, por causa desse círculo vicioso, provocado pelo sistema bancário nacional, que, segundo Assis, a crise atingiu o Brasil, “ao lado da queda de exportações, que é um fator externo”.