4 de março de 2009

Transformismo, praga que despolitiza a política

Em manchete de página, o Globo noticia festivamente a reunião, em plena folia momesca, da cúpula tucana fluminense com Fernando Gabeira. Objetivo: composição de candidaturas estaduais majoritárias que vão formar o palanque de José Serra no Rio de Janeiro em 2010.

Nada demais, afirmarão alguns. Gabeira, do PV, já não havia sido o nome do PSDB para a disputa da prefeitura do Rio? Absolutamente normal, portanto, que estenda a operação aos planos estadual e nacional com os mesmos parceiros ─ tucanos, o PFL de Cesar Maia e o obscuro e indefinível PPS.

Absolutamente revelador do festival de falácias que as grandes legendas não cessam de produzir, é mais justo considerar. Cenário condizente com o transformismo implementado pelo lulismo no petismo, através do qual, em nome de uma famigerada "governabilidade", se gestou o mais heterogêneo e perigoso pântano de legendas de nossa história republicana. O grave, no caso Gabeira, é o potencial de contágio extensivo a segmentos democráticos, combativos, em função da competente operação mediática que não cessa de relembrar o passado esquerdista de Gabeira, como forma de garantir uma franja dos setores sociais que com ele se identificaram.

Na eleição municipal, essa operação foi compreensivelmente exitosa. Na disputa da prefeitura, é fácil impor a idéia de que apenas elegemos um síndico para cuidar do dia-a-dia da municipalidade. Projetos de sociedade ou formulações políticas universais não fariam parte dessa pauta, tendo em vista os limites de uma legislação local. Ou seja, na despolitização da política, simbologias têm mais condições de se afirmar sobre a realidade objetiva.

Mais ainda: para muita gente, mesmo informada, ele representava o segmento avançado da disputa. O que não ocorria sem explicação. Do outro lado estava o PMDB, que só agora Jarbas Vasconcelos, a Veja e o próprio Gabeira parecem ter percebido ser um balaio de negações. Todo um caldo de cultura se criava, portanto, para a direita esconder-se atrás dele como do "novo" na política.

Novo, ninguém sabia exatamente explicar por quê. Que novidade existia na proposta de "parceria entre governo e empresas privadas", cantochão de sua campanha? Trata-se de prática que quase sempre se traduz na transferência de dinheiro público para os empreiteiros privados, com juros muito abaixo do mercado.

Havia, no entanto, outro item a considerar, que permitiu a Gabeira nadar de braçada. Ele vinha de um mandato parlamentar no qual justos embates pontuais ─ derrubada de Severino, demissão de Renan Calheiros no Senado ─ ocultava o essencial. Ocultava os descaminhos programáticos do ex-guerrilheiro da moda, que já traíra o voto dos que o elegeram lá no primeiro mandato de deputado federal, por conta de sua adesão de mala e cuia à epopéia da implantação do neoliberalismo tardio em nossas plagas durante o mandarinato de FHC.

Gabeira entrou pela primeira vez na canoa tucana com a mesma rapidez com que dela saltou, a partir da ladeira abaixo em que o governo FHC entrou depois das maracutaias que marcaram a desvalorização do real no início de seu segundo mandato. Voltou para o veio antigo, recebido com honras pessoais de Lula, presente à sessão de acolhimento no PT.

Retorna, agora, ao seio tucano, de onde nunca, mentalmente, teria se afastado. E tentando se apropriar, em aliança com o PSDB, da bandeira da "ética na política". Nunca a havia portado quando, na composição com as bandalheiras do PMDB ─ o mesmo Michel Temer na presidência da Câmara ─, o operador era FHC. Uma bandeira que, na prática e de direito, quem a empunhava, desde os trágicos tempos em que a privataria era louvada como "modernização", eram os parlamentares que hoje militam no PSOL.

Na disputa de 2010, no entanto, o cenário muda. Não há como despolitizar a política. Gabeira vai entrar na concorrência entre duas legendas ─ PT e PSDB ─ que apenas disputam o abocanhar das verbas e cargos estatais, sem oferecer perspectivas distintas ao quadro atual, tendo em vista a semelhança entre elas na aplicação de políticas e programas macroeconômicos.

Gabeira vai estar de braços dados com a direita mais escrachada. A direita que apoiará Serra por inércia; pelo pioneirismo tucano na implantação do neoliberalismo tardio em nossas plagas. A direita que, na Europa, elege Sarkozy, Merckel e o abominável Berlusconi. E que, por puro preconceito de classe, prefere que seus negócios no Estado sejam geridos pelos que lhes são tradicionalmente ligados.

Não terá mais como mascarar o transformismo.

Transformismo, aliás, que se espraiou de forma preocupante na política nacional, principalmente a partir da guinada ideológica que o neolulismo impôs ao PT, propiciando o surgimento de um tipo original de populismo ─ o governante se mantém em excelentes relações com os de cima, ao mesmo tempo em que é endeusado pelos mais despossuídos. A eficácia da operação se explica por uma frase do próprio Lula: "cuidar da pobreza no Brasil é barato".

É verdade, basta comparar cifras. O despendido com o Bolsa Família, em 2007, para o atendimento de 11 milhões de lares miseráveis, ficou em torno de R$ 8 bilhões. Por todo um ano, vale repetir. Porque corresponde ao que o Bradesco lucrou em apenas nove meses. Itaú, o campeão, realizou nos mesmos nove meses R$ 500 milhões a mais: R$ 8,5 bilhões. Ou seja: duas empresas obtiveram de lucro, e em nove meses, o dobro do concedido, durante todo o ano, a 11 milhões de agradecidas famílias pela esmola de R$ 120, no máximo, para cada uma.

Esta mágica está, certamente, na raiz dos índices bizarramente elevados ─ por serem imperceptíveis nas ruas dos grandes centros, onde a apatia e o ceticismo são bem mais evidentes ─ de aceitação popular do presidente em todas as camadas.

É nesse contexto, portanto, que a esquerda enfrenta um desafio da maior importância para nosso futuro como Nação, nestas eleições de 2010. Porque, a despeito de todo o prestígio que o cultuado Lula tenta transferir para a sua previsível e plastificada sucessora na disputa presidencial, um fantasma assusta o esquema de poder. Uma enfermeira, uma professora universitária que, a despeito de toda a barragem de silêncio construída em torno de seu nome ─ mostrando o interesse das classes dominantes em manter a disputa limitada a Serra versus Dilma ─, continua se mantendo na cabeça das pesquisas sobre as próximas eleições presidenciais. Heloisa Helena está aí, com amplíssimas possibilidades de produzir um fenômeno político mais importante do que o já produzido em sua primeira disputa, em 2006.

E por que é possível fazer tal previsão? Por uma simples razão. Daqui a 2010, a crônica anunciada não favorece a dupla da ordem. As condições para Heloisa não podem, portanto, ser mais difíceis do que em 2006, quando ela teve desempenho destacado. Pelo contrário, a crise em curso ainda não se revelou na sua definitiva extensão e profundidade. Lula não está na disputa direta e ninguém pode avaliar como o povão, que hoje o louva, se comportará em relação a outro nome que dependesse da transferência de seu prestígios pessoal. Principalmente com a certeza de que nada de muito diferente deverá ocorrer, a despeito de toda a parafernália publicitária que se arma em torno desse indefinível PAC. As pesquisas que destacam Heloisa, aliás, comprovam isso. Povoando todas as manchetes, de jornais ou telejornais, quase diariamente, Dilma não conseguiu ainda encostar na ex-senadora alagoana.

É nesse cenário, portanto, que o desafio para a esquerda combativa se apresenta. Fazendo da campanha presidencial um amplo espaço para a aglutinação desse exército ainda fragmentado de cidadãs e cidadãos que, por todo o país, insistem em afirmar que um outro Brasil é possível. Um Brasil que nos integre com toda a intensidade, e não apenas nos discursos diplomáticos, nas práticas de combate às degenerescências inerentes ao capitalismo; que nos integre com o dia-a-dia das experiências ousadas que Chaves, Morales e Rafael Correa já praticam, e que, esperamos, Fernando Lugo concretize o mais celeremente possível.

Estaremos vivendo, então, um tempo em que os "transformismos" não terão mais como se disfarçar.


Carnaval de 2009


Milton Temer
é jornalista e presidente da fundação Lauro Campos.
Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis

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