O “espetáculo” da privatização
Se o governo estivesse preocupado com a qualidade das estradas, caberia a pergunta: por que os recursos da Cide são desviados de sua finalidade?
Editorial Brasil de Fato (ed. 242)
Editorial Brasil de Fato (ed. 242)
Um novo avanço da agenda neoliberal. Esse é o significado da privatização de sete trechos de rodovias federais, efetuada no dia 9. Cerca de 12 mil quilômetros de estradas foram entregues a grupos privados. Só a transnacional espanhola OHL ficou com cinco rodovias; a conterrânea Acciona comprou uma; e a BRVias, única empresa brasileira, adquiriu outra. Os grupos privados foram contemplados com o direito de explorar 36 postos de pedágio em vias importantes como a Fernão Dias – que conecta São Paulo a Belo Horizonte – e a Régis Bittencourt – São Paulo a Curitiba.
Ao ser informado sobre o desfecho do leilão pela ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), o presidente considerou o resultado “espetacular”. Resta perguntar a Lula – para quem esse resultado foi “espetacular”? As empresas, sabemos, saíram satisfeitas. Pagaram pelas rodovias menos do que vão receber em lucros durante 25 anos controlando pedágios. É a simples lógica capitalista, com a questão particular de que, aqui, não há competição nem disputa de mercado: pedágio em rodovia é receita garantida. Já o povo vai pagar tanto pelo investimento a ser feito nas rodovias como pelo enriquecimento dos acionistas neste um quarto de século.
O desfecho no processo de privatização de rodovias federais, iniciado há dez anos pelo governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, evidencia como a gestão petista vem assumindo a agenda neoliberal. Contraria até mesmo o discurso de Lula que, em meio à campanha pela sua reeleição em 2006, condenou as privatizações. E por que o seu governo pode dilapidar o patrimônio público?
O debate dos projetos está rebaixado a tal ponto que o “enfrentamento” entre o governo Lula e seus críticos tucanos se restringe apenas a discutir quem é o melhor gerente. O governo petista garantiu um preço nos pedágios mais barato – negociou valores de até R$ 0,02 centavos por quilômetro para as rodovias federais. Nas rodovias privatizadas de São Paulo pelo governo tucano, os usuários pagam até R$ 0,12 centavos por quilômetro rodado.
A questão, no entanto, é bem mais ampla. A privatização das rodovias, em ambos os modelos, segue o padrão de dilapidação do patrimônio público para benefício de alguns grupos privados. A manutenção e a qualidade das rodovias, nessa perspectiva, é o que menos importa. Caso esse fosse, sim, a real intenção dos governos, caberia a pergunta: por que os recursos da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide) são desviados de sua finalidade? Segundo o que determina a Constituição, o governo deveria utilizar parte da verba arrecada por esse imposto para investir em melhorias nas rodovias.
Ou seja, o povo brasileiro já paga pelo investimento nas estradas. No entanto, o governo desvia esse dinheiro – a maior para pagar os juros da dívida pública aos banqueiros – e as rodovias ficam abandonadas. Não é pouca monta. Só em 2006 a Cide arrecadou R$ 7,8 bilhões para os cofres públicos. Enquanto o governo vende as estradas com o descabido argumento de que não tem verba para fazer investimentos, a Procuradoria Geral da República pede ao Supremo Tribunal Federal (STF) que proíba o mesmo governo de desviar os recursos da Cide.
Mas, como disse Lula, o resultado foi “espetacular”. É o que devem ter dito os acionistas da transnacional espanhola OHL. Simplesmente porque 70% dos gastos da empresa em manutenção e conservação dos cinco trechos arrematados no leilão serão financiados pelo BNDES. Dinheiro público.
É verdade que o governo Lula preconiza um Estado forte. Mas a pergunta é: um Estado forte para quem? A privatização das rodovias e o investimento financiado pelo banco público repetem a lógica das Parcerias Público Privada (PPPs), defendidas tanto pelo PT como pelo PSDB. O Estado se colocando como um financiador e garantidor dos negócios privados. Um eficiente gestor dos projetos capitalistas. E a privatização das rodovias é apenas o começo; a lista inclui grandes obras de infra-estrutura como as usinas hidrelétricas do rio Madeira e a transposição do rio São Francisco. Para quem duvida, é só pegar o próprio cronograma do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que registra: até dezembro de 2008, serão oferecidos ao setor privado negócios de R$ 30 bilhões.