3 de junho de 2009

O trabalho é um inferno: histórias da classe operária de nossos dias

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma agência das Nações Unidas, deu a conhecer em janeiro passado um relatório sobre "As tendências globais do emprego". O relatório explora o desemprego, a situação dos trabalhadores pobres e o emprego vulnerável. Os desempregados são os que não trabalham porém buscam trabalho de maneira ativa. Os trabalhadores pobres são os que têm um trabalho que não lhes permite manter-se acima da linha da pobreza. Há dois umbrais: $ 1,25 por dia (segundo os preços de 2005), que se considera "pobreza extrema", e $ 2 por dia, que é simplesmente "pobreza". As pessoas com emprego vulnerável são os autônomos (no relatório se os denomina trabalhadores por "conta própria") e também os trabalhadores que não recebem salário, porém são membros de uma família trabalhadora por conta própria. Na maior parte do mundo, o trabalho vulnerável é o que se denomina emprego casual: esses trabalhadores não têm relações formais com um empregador, por exemplo, um contrato de trabalho com salário por empreitada. Trabalhadores vulneráveis são, entre outros, um homem que vende bilhetes de loteria numa esquina, uma mulher oferecendo talões num estacionamento, um jovem que oferece passeios numa carreta de tração humana. Um exemplo do trabalho não remunerado que realiza um membro de uma família por conta própria: um menino que ajuda sua mãe a vender talões. Nem em todos os países, sobretudo nos ricos, o trabalho por conta própria é vulnerável. De qualquer maneira, em todos os países, e notadamente nos pobres, a grande maioria dos autônomos são pobres e vulneráveis.

A OIT criou três possíveis cenários, em 2009, para as pessoas incluídas nestas três categorias (desempregados, trabalhadores pobres e trabalhadores vulneráveis). A maioria dos economistas está perplexa pela profunda crise econômica que hoje aflige à maior parte do mundo: não puderam predizê-la, nem estão em condições de fazer diagnósticos sobre o alcance de sua gravidade. Ante a dúvida dos diagnósticos e dos prognósticos sobre o comportamento da economia global, e a modo de compensação, os economistas da OIT têm realizado três estimativas para as três categorias de emprego. Para nossos propósitos, não importam os detalhes dos três "cenários". Porém, dada a severidade da "Grande Recessão" que agora experimentamos - a mais profunda desde 1930 -, o cenário pessimista ou o terceiro parece o mais realista. Não se vislumbra um possível alívio no horizonte. Não, desde logo, no mundo do trabalho.

De acordo com o cenário pessimista, estes são os números de desempregados, trabalhadores pobres e trabalho vulnerável prognosticados para o final do presente 2009.

Desempregados: 230 milhões (ou 7,1% da força de trabalho mundial, composta aproximadamente de 3.240 milhões de pessoas).

Trabalhadores pobres: (com $ 2 por dia como umbral de pobreza): 1.377 milhões (que está perto de 46% da população trabalhadora mundial, composta, como lembrado antes, por mais de três bilhões de pessoas).

Trabalhadores vulneráveis: 1.606 milhões.

Dois esclarecimentos são necessários a propósito dessa cifras. Em primeiro lugar, a alguns leitores lhes poderá parecer baixo o número de desempregados, dada a profundidade do colapso econômico. De qualquer maneira, na maior parte do mundo o desemprego aberto não é uma opção; não tem rede de segurança que compense o desemprego, nem outros programas sociais de bem-estar. O desemprego significa morte; por isso as pessoas têm que encontrar emprego independentemente do quão pesadas que sejam as condiciones. Em segundo lugar, as categorias de trabalhador pobre e emprego vulnerável se sobrepõem parcialmente. Um ou uma autônomo pode ser ao mesmo tempo vulnerável e pobre, e conta como força de trabalho. De qualquer maneira, o membro de uma família sem arrecadação, segundo a definição estatística, só é vulnerável, e não conta no mercado de trabalho. Trata-se de insignificâncias estatísticas. Independentemente de como se leiam os números, são indicadores assombrosos da realidade do mundo do trabalho atual.

A esses tenebrosos números deveriam agregar-se outros: a OIT estima que no mundo de hoje trabalham, no mínimo, cerca de 200 milhões de crianças. A classificação da OIT sobre o trabalho infantil é complicada, porém bastará dizer que 75% desses infelizes meninos e meninas realizam as piores formas de trabalho: traficantes, soldados em conflitos armados, escravos, trabalhadores sexuais e outras ocupações perigosas e incapacitantes, como a construção ou a manufatura de tijolos ou tapetes.

É muito comum que os meninos trabalhadores vivam na periferia das cidades, ou que tenham sido forçados a abandonar seus lares rurais, às vezes "cedidos" em aluguel por seus próprios pais, para trabalhar nas cidades. Seus pais são camponeses - há uns dois bilhões no mundo - e seu futuro é cada vez mais precário. Sua relação com o campo é cada vez mais tênue, e ano após ano vem aumentar as filas dos cidadãos do que Mike Davis tem chamado "o planeta das cidades miséria". Não tem crescimento econômico que possa absorvê-los no proletariado tradicional, e muito menos em trabalhos melhores.

Para quase todos os habitantes do mundo, o trabalho é o inferno. A crua e triste verdade é que a imensa maioria tem de ser rebaixada, humilhada, lesionada, deformada mental ou fisicamente, e até, com não pouca freqüência, mortalmente sacrificada no processo de trabalho, para que uns poucos se enriqueçam. Sou consciente de que as estatísticas são piores por causa da crise. Porém se transformará o mundo do trabalho quando volte a subir o PIB e os índices de desemprego decaiam? Começaremos então a "nos inclinar à utopia", para usar uma frase impropriamente patética do economista de Berkeley J..Bradford De Long, que parece acreditar que realmente estamos a caminho de um mundo com renda de classe media e operários satisfeitos?. Asseguro-lhe que não.

Falou-se que o diabo está nos detalhes. Por isso, para outorgar maior força aos dados, acrescentarei exemplos concretos. Estou seguro de cada leitor poderia oferecer exemplos por sua conta.

Um trabalhador da indústria automobilística

Vejamos a descrição que fez um trabalhador da indústria automobilística, Ben Hamper, em seu livro Rivethead , quando visitou a fábrica onde trabalhava seu pai para ver o que fazia. Disse assim:

"Estivemos uns quarenta minutos ou algo assim, uma vida inteira em miniatura, e a pauta não variava nunca. Auto, pára-brisas. Auto, pára-brisas. Trabalho duro, e mais trabalho duro. Cigarro após cigarro. Décadas batendo e pranchando vigas, os ossos feitos pó, obstinados relógios amordaçando as carnes, outro para-brisas, outro cigarro, guerras intermitentes, tormentas que murmuram o alfabeto, colrnéias adormecidas ou mortas sobre cabos de alta tensão, esse polvo mecânico contorcidamente solto sobre nada, nada de nada."

Hamper chama as modernas fábricas de automóveis de gulags.

Mira, a menina prostituta

Auxiliemos ao caso de Mira, uma menina prostituta de Bombaim que aos treze anos foi enviada por seus pais do seu povoado para o Nepal, para trabalhar como empregada doméstica, segundo pensavam seus pais. Há pelo menos 20.000 meninas prostituídas em Bombaim, "expostas em fila, como nas gaiolas de animais do zoológico". Disse-nos que:

Quando Mira - uma virgem angelical de pele de cobre - se negou a fazer sexo, foi arrastada a uma câmara de tortura num escuro beco disposto para "acomodar" as novas meninas. Fecharam-na numa habitação estreita, sem janelas, sem comida nem água. Ao quarto dia, quando ainda se negava a trabalhar, um dos empregados da madame chamou um gangster que a jogou no chão e a espancou, até que eladesmaiou. Quando despertou, estava nua; haviam lhe introduzido na vagina uma vara cana untada de pimenta. Logo, o gangster a violou. Mila confidenciou numa reportagem que "te torturam até que digas sim", porque "ninguém ouvirá o teu choro".

O caso da pequena Irfana, escravizada

Consideremos o caso de Irfana, uma menina paquistanesa vendida aos seis anos ao dono de um forno de tijolos. Ela descreve sua vida deste modo.

"Meu amo nos comprava, vendia e trocava, como se fôssemos ganho, e, em ocasiões, nos embarcava e viajávamos a grandes distâncias. No geral, maltratavam os homens para que trabalhassem mais. Freqüentemente, as mulheres éramos violadas. Minha melhor amiga adoeceu logo após ser violada, e quando já não pode trabalhar, o amo a vendeu a um amigo de um povoado a mil quilômetros de distância. Nunca comunicaram seu paradeiro à família e nunca mais a viram."

Como Mary Anne Walkley, a chapeleira imortalizada por Marx

Recorde-se o caso de Mary Anne Walkley, a chapeleira imortalizada por Karl Marx no Capital. Mary Anne morreu faz 146 anos, porém sua história poderia ser contada hoje, e não só por trabalhadoras meninas como Mira e Irfana, senão que por centena de milhares de confeccionistas de penhores que trabalham em infernais oficinas em condições tão terríveis como as da menina Walkley, e, desde logo, não só na Índia ou no Paquistão, senão que aqui, nos mesmíssimos Estados Unidos da América. Sim, se você dá uma volta pelas ruas de Chinatown em Manhattan, verá os vapores procedentes de centenas de oficinas infernais nos quais as Mary Anne de nossos dias consomem suas vidas. Marx dizia:

"Na ultima semana de junho de 1863, todos os diários de Londres duplicaram um texto com um título 'sensacionalista': "'morte por simples excesso de trabalho'. Contam a morte de uma chapeleira, Mary Anne Walkley, de 20 anos, empregada num respeitabilíssimo estabelecimento de confecção de prendas de trajar explorado por uma dama que responde ao encantador nome de Elisa. A velha e tantas vezes narrada história, contada uma vez mais. A colegial trabalhava uma média de 16 horas e meia, e, em plena temporada, até 30 horas seguidas sem interrupção, proporcionando-lhe, para diminuir sua desmaiada capacidade de trabalho, ocasionais bebericações suplementares de xerez, porto e café. Agora estávamos precisamente no momento culminante da temporada. Num abrir e fechar de olhos, havia que dar os últimos pontos aos egrégios tocados que haviam de levar as nobres damas convidadas ao baile organizado em homenagem a uma recentemente importada India de Gales. Mary Anne Walkley havia trabalhado sem parar durante 26 horas e meia, ao lado de outras 60 meninas, 30 delas acomodadas numa habitação que apenas proporcionava um terço dos metros cúbicos de ar que necessitavam. Pela noite, dormiam duas num dos sufocantes buracos em que dividiam com divisórias a habitação. E isso foi num dos melhores pensões de Londres. Mary Anne Walkley caiu doente na sexta-feira. Morreu no domingo. Sem que, para desgosto de Madame Elisa, houvesse podido terminar o trabalho que tinha em mãos."

Trabalhadores em cruzeiros

Vejamos o caso de quem trabalha em cruzeiros. No geral, os cruzeiros estão registrados em países como Libéria e, por tanto, são imunes às leis trabalhistas norte-americanas. Quase sempre, as pessoas de cor dos países pobres têm a seu cargo os trabalhos mais pesados. Seu salário é baixo e a jornada de trabalho grande. Geralmente, quando por alguma razão resultam feridos gravemente durante a jornada de trabalho e precisam ser hospitalizados, são forçados a voltar ao seu país de origem em busca de atendimento médica, inclusive no caso do que nos EEUU existam melhores tratamentos. Um trabalhador caribenho escorregou na cozinha enquanto transportava uma grande caldeira de óleo. O óleo queimou gravemente sua perna e sua face. O enxotaram de um hospital em Anchorage, Alaska, e o forçaram a tomar vários vôos de regresso a casa. Então, no desespero, conseguiu chamar sua mãe e durante uma escala em Miami pode se comunicar com um advogado amigo da família. O advogado conseguiu que o atendessem em Miami e processou a companhia navegadora. A companhia se vingou denunciando-o às autoridades de imigração, que finalmente o deportaram.

No restaurante

Consideremos ao empregado de um restaurante, o Sr. Zheng. Os empregados de restaurante de Manhattan trabalham, em média, mais de 100 horas semanais e ganham a miséria de 2 dólares por hora. Assim Zheng descreveu a vida um jornalista:

"Após ter chegado há três anos no país, procedente da província costeira de Fujian (na China), o Sr. Zheng ( 35 anos) ainda trabalha para pagar uma dívida de 30.000 dólares aos traficantes que organizaram sua viagem em distintos barcos até chegar ao destino. Para pagar o aluguel, sobram apenas uns poucos dólares de seu exíguo soldo como ajudante de garçom, de modo que divide a moradia com 11 amigos. Compartem um quarto com beliches de três andares, com uma passagem estreita entre elas, semelhante a um corredor. É uma habitação simples, uma mais entre uma dúzia de quartos num complexo de três arranha-céus em Allan Street. Repartem um aluguel de 650 dólares ao mês, pagando 54 cada um.

"Como os demais,o Sr. Zheng custodia seus escassos pertences numa bolsa de plástico debaixo do colchão, e como decoração, penduram em seu retangulozinho de parede uma bolsa de ervas medicinais e uma pintura naif. "

Taxista em Nova York

Tomemos o caso de Koffee, motorista de táxi em Nova York, um africano que vive na cidade há trinta anos. Numa entrevista ao jornal Punching the Clock (PTC) disse:

PTC: Então, quantas horas conduz ao dia?

Koffee: Doze horas, de cinco a cinco.

PTC: Quer dizer que faz um turno de doze horas?

Koffee: Assim é o setor, já se sabe, é o que se faz. Em menos de treze horas não se pode fazer nada... Algumas vezes trabalha-se doze horas, e volta-se para casa com menos de 20 dólares no bolso.

PTC: Que faz com seu tempo livre?

Koffee: Tempo livre? Descanso. Com esse trabalho, depois de doze horas não se pode fazer nada. É um trabalho que arbusto. Sentado e dirigindo durante doze horas, chego em casa e vou dormir. Quando acordo, é só tenho tempo de pegar algo para comer.

Uma voz do passado, tão presente

Ouçamos a voz de um trabalhador desempregado durante a primeira depressão nacional, na década de 1870. Com algumas variações, o que disse poderia dizê-lo qualquer um que haja experimentado a brutalidade de um desemprego por muito tempo, desde os camponeses na época das secas em 1930, até as vítimas do fechamento maciço de fábricas das ultimas duas décadas, passando pelos milhões de miseráveis desempregados na África, na Ásia e na América Latina. Ou então pergunte ao próximo sem teto que lhe venha pedir esmola na rua.

"Faz três meses, quando por desgraça fiquei sem um centavo, comecei a procurar emprego em Nova Iorque. Sou mecânico e acredito que sou competente em meu trabalho. Durante este ano me desloquei por dezessete estados e tudo o que obtive foram seis semanas de trabalho. Eu enfrentei a fome; durante alguns meses, quando o termômetro baixava a 30 graus abaixo de zero, não tinha nem cama para dormir. No último inverno dormi nos matos e, enquanto procurava trabalho honrado, estive dois ou três dias sem comer. Quando, apelando à clemência de Deus, pedi alimento para meu corpo e para minha alma, fui tachado de 'vagabundo'."

O trabalho em labores agrícolas

Consideremos o trabalho agrícola, um dos pior pagos em toda parte e dos mais penosos. Curvados sobre a colheita, com calores e frios terríveis, trabalham ao lado de seus filhos pequenos e sem comida suficiente, como é o caso dos trabalhadores das plantações de café que não podem dar-se ao luxo de comprar o grão que colhem. Isso é o que conseguiu o "livre mercado" no México, ao sul da Califórnia e do Arizona:

"Nos campos, tem um quarto de banheiro público portátil para vários centenas, e um tambor metálico sobre rodas que fornece água....Os pequenos engatinham entre os trabalhadores sentados, alguns deles mamando mamadeiras enquanto outros, com suas carinhas sujas de pó, mastigam cebolas... Uns poucos dormem em tonéis ou em colchonetes improvisados com caixas de legume. Quando o sol da amanhã ilumina o rosto dos trabalhadores, descobre dezenas de meninos e meninas. Fazendo um cálculo grosso, é possível que um quarto dos trabalhadores nesse e em qualquer lugar parecido, tenham entre 6 ou 7 e 15-16 anos. Honorina Ruiz tem 6. Está sentada em frente a uma pilha de cebola verdes. Faz pilhas de oito ou nove cebolas, alinhando talos e cabeças. Logo desfaz a porcaria, põe uma banda de borracha ao redor das cebola e as acrescenta ao grupo das que já estão na caixa próxima. É muito tímida para dizer algo mais do que seu nome, porém parece orgulhosa de ser capaz de fazer o que seu irmão Rigoberto, de treze anos, considera que faz muito bem... Esses são os meninos esquecidos do México."

Embaladores

Vejamos o caso dos trabalhadores embaladores, que preparam a comida que termina servida em nossas mesas. Antes da vinda das modernas tecnologias produtivas, os desacompanhados nomes desses trabalhadores evocavam a visão do inferno: aldabones, garçons de bar de corda, quebrapernas, pelapés, açougueiros, desventradores, fendedores, lugres... Esse trabalho o faziam então os trabalhadores imigrantes europeus e afroamericanos. Hoje o fazem os novos imigrantes da América Latina e da Ásia, e embora os nomes tenha mudado, o trabalho continua sendo sujo e perigoso:

As empresas empacadoras de carne de rês, cedro e ave têm conscrito agressivamente os trabalhadores estrangeiros mais vulneráveis, os quais são trasladados aos EEUU em troca de um trabalho de 6 dólares por hora na indústria mais perigosa do país. Esses trabalhos apenas requerem continuidade e praticamente têm desaparecido os conceitos de promoção e incrementos salariais significativos. Para essa próspera indústria, não é obstáculo que a metade desses novos imigrantes sejam ilegais: dispõem de uma força de trabalho amenizada e disciplinada com uma agressiva rotatividade.

Os assombrosos níveis de doenças, mutilações ─ 36% dos trabalhadores da carne ─ e estresse gerados por um trabalho difícil e repetitivo trazem com frequência consigo a pouca duração do emprego: uns quantos meses, até que o trabalhador se vai ou a companhia o força a deixar o trabalho. Os controles públicos de segurança têm decrescido em 43% em seu conjunto desde 1994, em consequência dos cortes no orçamento e de uma inclinação crescente a favor das empresas privadas por parte da Administração para a segurança e a saúde do trabalho.

Nos hotéis

Consideremos o caso de Michael, que aceitou um trabalho administrativo num hotel depois de trinta e dois anos como professor de escola. Michael disse:

Pensei que no hotel teria o luxo de não ter que me preocupar pelo que faria amanhã. Porém, se bem que é certo que não tinha de preparar o trabalho do dia seguinte, o trabalho do dia é o que me passava a fatura. O trabalho era esgotante; estava o dia inteiro em pé. Ao final da jornada era livre, porém estava exausto para fazer qualquer coisa. Geralmente, tão como as 7 da tarde já me sentia adormecendo nem bem abria um livro. E em alguns dias ─ especialmente no domingo, que era o pior quanto à intensidade do trabalho e as reclamações dos clientes ─, não conseguia dormir. As chaves que digitava no computador durante todo o dia permaneciam na minha cabeça desenhando uma espiral interminável e continuava chateado por causa das conversas que mantivera com hóspedes iracundos. A segunda-feira pela amanhã chegaria e eu deveria estar às 7 no trabalho, não conseguia pôr o sono ao dia até a sexta-feira pela noite. O mundo do ensino havia gerado muita ansiedade em mim, porém esse trabalho era física e psiquicamente incapacitante. Era impossível imaginar trinta e dois anos nesse trabalho.

No escritório

Consideremos o caso de Kimberly e Helen, dois empregados temporários de escritório, dois dos milhões de trabalhadores de escritório no mundo inteiro. Assim descrevem seu trabalho:

"Trabalho mínimo. Aborrecimento. E falta de estímulos. Preferiria ver-me com uma planilha eletrônica, tratando de imaginar como montar uma planilha eletrônica, antes que simplesmente digitar os números. Um chefe que te trata como um trabalhador temporário e é exatamente o mesmo, sempre te vigiando ou te ignorando completamente. Nem lembra o teu nome e diz: "Oh, acabo de pôr isso aqui. Aguardaremos até que outro fulano torne a trabalhar nisso".

"Isolamento. Carência de recompensas. Monotonia. Subemprego. Teus recursos, tuas capacidades, tua inteligência, todo isso jogado para o lado. Quero dizer, não tem troco. Não sinto senão desesperança, paralisias. Não tem incremento nenhum da atividade cerebral. Inclusive quando eles descobrem algo novo de ti, até assim, não confiam em te encarregar de algo mais. Porém a solidão é propriamente solidão. O almoço em solidão, cada dia. E nunca ninguém pergunta algo pessoal. Como as secretarias, que nunca se interessam: de onde és? Que tens feito?"

Professores

Consideremos o caso de Beverly Peterson, um professor de universidade que após passar grande parte de sua vida na universidade para obter o seu doutorado, se converteu numa "professora cigana", ensinando aqui e ali e em qualquer lugar, sob condições terríveis e por muito pouco dinheiro. Perto de 40% dos nossos professores o são hoje em tempo parcial, e ganham ao redor 2.000 dólares por curso, sem benefícios de bem-estar social. (Para contrastar: eu ganho 8.000 dólares por curso, e tenho incluídos todos os benefícios de bem-estar social.)

Desde que foi aprovado nos exigentes exames da Universidade William and Mary em 1992, Beverly Peterson nunca teve um posto de trabalho em tempo integral em algum departamento de Estudos Americanos. Após três anos, 121 cartas e dois entrevistas, ainda está procurando um posto de trabalho permanente. Disse esta professora interina de 44 anos, que chegou uma vez a ser professora de inglês numa Escola Superior: "Estou tão acostumada a receber cartas de rechaço; dizem: você é uma aspirante entre 800 para dois postos". Enquanto especula com a possibilidade de obter um cargo definitivo no estado da Pensilvânia, Peterson faz o mesmo que muitos doutorados recentes: para subsistir, soma dois postos de professora interina.

Peterson viaja regularmente em seu automóvel de sua casa em Smithfield, Virginia, até seus locais de trabalho na Universidade Thomas Nelson Community, em Hampton, a 40 minutos de sua casa, e depois em direção à Universidade William and Mary, em outros 40 minutos. No barco em que deve atravessar o rio James para vencer este último trecho de seu via-crúcis, soi trabalhar com notas e materiais para o ensino, o último deles, uma reinterpretação da Cabana do Pai Tomás. O contador de quilometragem de seu Chevrolet ─ de apenas quatro anos ─ marca 97.000 milhas. Peterson disse: "Eu gosto do meu trabalho, porém desejo poder fazê-lo em circunstâncias menos complicadas".

Uma história excepcional é a de Fúria Salomon ─ uma professora de história em East Saint Louis, em Illinois ─, cidade de uma pobreza extrema. Deixou isso dito numa entrevista com Jonathan Kozol, o autor de Savage Inequalities :

" 'De nenhum maneira é a pior escola da cidade', me disse quando estávamos sentados na sala do primeiro andar do Instituto. 'Pero nossos problemas são brutais. Nem sei por onde começar. Não tenho materiais, salvo um simples texto que se entrega a cada garoto. Quando proponho outra coisa ─ livros, vídeos ou revistas ─, os pagamento saem do meu bolso. O Instituto não tem vídeo-gravadora. E é uma ferramenta fundamental. Tem tantas coisas boas na televisão pública! O equipamento audiovisual que existeno prédio é tão velho que nos pressionan para que não o usemos'...."

" 'Dos 33 rapazes que começam o curso regular de história', disse, 'mais de um quarto abandonam no semestre de primavera... Neste momento, quatro meninas da minha sala de aulas do secundário estão grávidas, ou acabam de ser mães.' Quando pergunto o que aconteceu, me diz: 'Bem, não há nenhumaa razão para não ter um menino. A escola pública não me oferece muito'. A verdade é que um diploma de uma escola pública de um ghetto não serve para muita coisa nos Estados Unidos de agora... 'Você sabe, há injustiças tão amargas' ...

"Muito pouco da educação recebida na escola seria considerada acadêmica nos bairros residenciais. Talvez entre 10 e 15% dos estudantes estão em programas genuinamente acadêmicos. De 55 % dos estudantes que se diplomam, 20 por cento assistem a faculdades de quatro anos: algo assim como 10% do curso. Outros 10 a 20 por cento podem receber outro tipo de educação superior. Um número igual se alista nas forças armadas...

"'Às vezes me aborrece, porque começo a ficar esgotada. Odeio perder um dia de aula, porque, o mais frequente é que o Departamento não consiga encontrar um substituto para esta escola, e às minhas crianças não lhes agrada que eu esteja ausente'".

A cobertura de bem-estar social

Vejamos o caso de Úrsula e Joy, duas mães cobertas pela assistência social, que trabalham duro para manter unida a família, mas que foram excluídas da lista oficial de trabalhadoras desempregadas e que têm recebido o vilipêndio da sociedade "respeitável".

Úrsula: Eu costumava-se ficar deprimida por depender da assistência social. Havia algo que me fazia sentir menosprezada. Eu me sentia degradada. Eles querem saber de onde tiras isso, ou quem te ajuda a mandar a tuas crianças à escola. Se não pagar a conta d'água este mês não fosse necessário para que os meninos pudessem ir à escola no próximo mês, não a pagaria. Porém esse é o meu problema. Eu não gosto que se intrometam se alguém me ajuda ou me paga qualquer coisa.

Joy: Quando dependes da assistência pública, é como se ficasses com o dinheiro do outro e não trabalhasses para consegui-lo. Não o fazes por tí mesma. Quando obtive meu primeiro cheque do seguro social me lamentei estranhada, porque comparei isso com receber um cheque por meu trabalho. Sabia o que significava cada coisa. A gente costumava-se dizer. "bom, estás ficando com o dinheiro de gente que trabalha e não estás trabalhando," "Me sinto esquisita por ser uma pessoa localizada no outro lado neste caso". Esta é minha primeira experiência com a ajuda social. Nunca ninguém em minha família dependeu da assistência pública, somente eu. Minha mãe e minha avó trabalharam no governo. Eu fui a primeira pessoa que alguma vez recorreu ao seguro social.

Eu não gosto das pessoas que trabalham nos escritórios do seguro social. São desagradáveis comigo. Têm má vontade comigo. Se comportam de uma forma presunçosa, e não gostam de fazer o seu trabalho. Atuam como se o dinheiro saíra justamente de seus bolsos. Penso que se vou com uma atitude agradável ─ porque me consta que tem gente que é desagradável com eles ─, então se comportariam de maneira diferente. Porém isso não ajuda, seguem sendo antipáticos.

Num berçário

Leiamos agora um memorando enviado por um supervisor a um grupo de trabalhadores de um berçário diurno. Recorde-se que os trabalhadores desses centros são gente de considerável experiência e de grande capacidade na atenção dos meninos, porém se lhes paga menos que aos vigilantes de um estacionamento de automóveis:

"Agora mais que nunca, nós, como profissionais, estamos sob o escrutínio de nossos clientes. Desejam observar-nos e questionar-nos para estarem seguros do que seus filhos, a nosso cargo, estão sãos e salvos. Nossa tarefa é fazer o melhor que podemos quando tem uma inspeção dos clientes. Eles escolhem o lugar onde querem que estejam seus filhos. E nós temos que reforçar-lhes a idéia de que sua escolha foi a correta. Temos que lhes dar aquilo pelo que eles pagam, a cada minuto do dia. Temos que cumprimentar pais e crianças por seus nomes quando chegam pela amanhã e quando se retiram no final do dia. Devemos trabalhar com os meninos e cumprir seu dever de casa, de manhã e de tarde. Não se permite sentar-se à mesa, cochichar com os outros professores, assear-se ou fazer qualquer outra coisa que não seja interagir com as crianças... Lembrem-se a todo instante: o cliente sempre tem razão e nós sempre devemos fazer o melhor para os meninos. Isso é o que devemos a essas pessoinhas!"

Trabalho na prisão

Vejamos o caso do prisioneiro Dino Navarrete, um dos dez mil trabalhadores presos que trabalham no "complexo industrial da prisão", que colabora com as empresas privadas para obter superlucros. Pode haver um trabalho mais degradante, escravatura total à parte?, De qualquer maneira, trata-se de uma indústria em expansão. Os EEUU encabeçam a lista mundial de tamanho daa população carcerária, que agora se aproxima do milhão e meio de presos, sendo a maioria dos reclusos gente de cor.

Dino Navarrete, encarcerado por um delito de sequestro, não sorri muito quando contempla as maquinas de costura na oficina carcerária que não para de crescer e prosperar no presídio Solidão. O homem, baixo e robusto, com tatuagens que cobrem seu musculoso antebraço, ganha 45 centésimos a hora para fazer camisetas azuis de trabalho nessa prisão de média segurança localizada perto de Monterrey, Califórnia. Após as deduções, ganha cerca de 60 dólares por mês, trabalhando jornadas de 9 horas.

"Te botam na máquina para que trabalhes para eles", disse Navarrete. "Ninguém quer fazê-lo. Estes trabalhos são uma chatice para a maioria dos internos daqui. Faz tempo que a Califórnia deixou de considerar que o trabalho reabilita os presos. Os guardas só querem tê-los ocupados. Se os prisioneiros se negam a trabalhar, os trasladam a lugares de castigo e perdem o privilégio da taberna. E, ainda mais, perdem a possibilidade de diminuir a pena por 'bom comportamento'."

Navarrete se surpreendeu ao saber que a Califórnia estava exportando roupa confeccionada na prisão para a Ásia. Nem ele nem os outros prisioneiros tinham idéia do que a Califórnia, junto com o Oregón, estavam fazendo aquilo pelo que fustigama China: exportar bens confeccionados na prisão. Então, disse Navarrete, " a isso também se pode denominar trabalho escravo". "Se o estão vendendo em ultramar, então se sabe que estão fazendo dinheiro. Onde vai a parar esse dinheiro? Para nós, não é".

Deficientes

Consideremos o caso de Larry McAffe, que ficou tetraplégico depois de um acidente de motocicleta. Como outras dezenas de milhões de pessoas deficientes, queria trabalhar, e poderia fazê-lo se a sociedade lhe houvera proporcionado os meios. Em vez disso, o que fizeram foi enviá-lo diretamente ao horrível mundo de pesadelo do "cuidado" da saúde, mundo cuja principal hipótese inicial de trabalho é que resulta muito caro lograr capacitar para o trabalho a pessoas como Larry. Larry chegou a pleitear em tribunais que o deixassem morrer, algo que tribunais, médicos e companhias de seguros ─ que se diriam sequazes de alguma versão de darwinismo social ─ parecem empenhados em estimular.

McAfee lhe disse ao jornalista Joseph Shapiro, do Informador "US News and World Report", que havia odiado perder o controle sobre o seu corpo, porém que era pior perder o controle sobre a sua vida. Esperava poder continuar contribuindo com a sociedade, porém se revelou que em cada intenção realizado estava bloqueado por uma situação sem saída. Dado que não dispunha de um serviço de assistência pessoal, McAfee teve que ser institucionalizado; o que significa que não podia fazer pedidos de trabalho ou tomar cursos de computação; e falta de capacitação implica falta de possibilidade de emprego; e o emprego em si mesmo pode significar que os desincentivos ao trabalho construídos pelas políticas para os deficientes põem em risco a possibilidade de ter os meios para sobreviver. Como poderia uma pessoa motivada não resultar abatida por esses obstáculos aplastantes?

Um trabalhador normal e corrente

Consideremos o caso de Mike Lefevre, um trabalhador "corrente". Isso é o que disse Studs Terkel, autor de um livro genuinamente excepcional, entitulado Working:

"Pertenço a uma espécie em extinção: um trabalhador. Trabalho puramente muscular: levantar, baixar. Administramos entre catorze e quinze mil libras de ferro por dia. Já sei que resulta árduo de acreditar: desde quatrocentas libras até peças de três e quatro libras. É de matar...

"É difícil lamentar-se orgulhoso de uma ponte que nunca atravessarás, de uma porta que nunca abrirás. Produzimos em massa e nunca vemos o resultado final. Uma vez fiz um trabalho para um caminhão, e tive uma pequena satisfação quando o carreguei. Esqueça-te disso numa fábrica de aço. Nunca vemos aonde vai nada.

"Numa ocasião, meu capataz resmungou comigo. Disse: "'Mike, és um bom trabalhador, porém tens uma má atitude'. Minha atitude consiste em não emocionar-me com o meu trabalho. Faço meu trabalho, porém não digo "que milagre!". O dia que me emocione com meu trabalho será o dia em que me topo com um redutor de cabeças selvagens. Como vais a emocionar-te administrando aço? Como te podes emocionar, se estás destroçado e no única coisa que pensas é em sentar-te?

Não é só o trabalho. Alguém construiu as pirâmides. Sempre tem alguém atrás de uma construção. Pirâmides, o Empire State Building. Essas coisas não saem do nada. Tem trabalho duro atrás delas. Eu gostaria de ver um edifício, digamos o Empire State, gostaria de ver num de seus lados uma tira de cima a baixo com os nomes de cada um dos pedreiros, eletricistas, com todos os nomes. De maneira que, quando um dos meninos passasse por aí, pudesse tomar a mão de seu filho e dizer-lhe. "'Olha, esse sou eu, por aí, no andar quarenta e cinco'."

Vozes dolentes

Escutemos para terminar ao coro das vozes dolentes, procedente também de livro, já mencionado, Working :

"Prevalece na imensa maioria um descontentamento apenas encoberto. Os blues dos trabalhadores manuais não são mais amargos que os gemidos dos escriturários. "'Sou uma máquina', disse o soldador. "'Estou entre grades', disse o caixa do banco. E o administrativo do hotel faz eco de tudo isso. "'Sou uma mula de carga', disse o trabalhador do aço. "'Um engraçadinho poderia fazer o que eu faço', disse o recepcionista. "'Sou menos que o utensílio mais insignificante dos trabalhos agrícolas', disse o trabalhador imigrante. "'Sou um objeto', disse a Modelo de alta costura. Trabalhadores manuais e burocratas repetem em uníssono: "'sou um robô'. "'Não temos nada do que falar', disse o contador desesperado. Passaram-se já uns quantos anos desde que John Henry cantava aquilo de que 'Um ser humano não tem de ser outra coisa que um ser humano'. O feito duro e nada romântico é este: morreu com o martelo na mão, enquanto a máquina seguia com seu bombear rotineiro. De qualquer maneira, encontrou a imortalidade. É recordado."

24/05/09

Michael D. Yates é editor associado da veterana revista socialista norte-americana Monthly Review. Seu livro mais recente é: In and Out of the Working Class.

Tradução para www.sinpermiso.info: María Julia Bertomeu
Tradução para o português: Sergio Granja
Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis

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