Leandro Soto, da Secretaria Nacional de Juventude do PSTU |
Reprodução | ||
Passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro, 1968 |
• Há quarenta anos a ditadura militar assassinava o estudante Edson Luís de Lima Souto. Edson, de 18 anos, estava no Rio de Janeiro havia dois meses, vindo de Belém do Pará. Estudava no Instituto Cooperativo de Ensino, que funcionava no Calabouço, onde trabalhava como faxineiro. O Calabouço era uma área que incluía um teatro, uma clínica e um pequeno comércio, além da sede da União Metropolitana dos Estudantes (UME). E, é claro, o restaurante. Lá centenas de estudantes almoçavam e jantavam todos os dias a preços populares.
O Calabouço era um centro de agitação e mobilização dos estudantes. Uma espécie de bandejão central, de onde saíam diversas manifestações, a maioria delas associadas à luta pela melhoria do restaurante.
No dia 28 de março de 1968, mais uma manifestação por melhorias era organizada. Mas a polícia militar chegou ao Calabouço disposta a impedir a manifestação. Uma bala atingiu o coração de Edson Luís. A ditadura militar fazia mais uma vítima, desta vez um estudante.
Os colegas de Edson cercaram o corpo para evitar que a polícia o levasse. Em pouco tempo, a passeata se reorganizava e marchava em direção à Assembléia Legislativa do Rio. “Mataram um estudante! Se fosse um filho seu?”, gritavam. Rapidamente, a imprensa começou a noticiar o ocorrido. A partir de então, o movimento estudantil entraria em ebulição crescente.
A passeata dos cem mil
No dia seguinte ao assassinato, a praça da Cinelândia amanheceu tomada. Mais de 50 mil pessoas vieram ao enterro de Edson. O governo foi obrigado a retirar a polícia das ruas do Rio. Os protestos ocorreram em todo o país. No 1º de Abril, os estudantes organizaram atos de rua devido aos quatro anos de golpe. No dia 4, a missa de sétimo dia de Edson foi marcada por enorme tensão. A Candelária foi cercada por policiais que agrediram violentamente os participantes quando saíram da Igreja.
Em junho, as coisas voltaram a esquentar, com ocupações de reitoria e do prédio da Faculdade de Filosofia na USP, greve estudantil na UFRJ, barricada na reitoria da UFPR e atos de rua que ocorreram em Fortaleza, Belo Horizonte e Porto Alegre.
No dia 26 de junho, 100 mil estudantes ocuparam as ruas do Rio, na maior mobilização estudantil até então da história do país. A “Passeata dos 100 Mil” foi um dos últimos acontecimentos do ascenso. Em três de julho, ocorreria ainda nova passeata com 50 mil estudantes. Mas a partir daí, o movimento começou a refluir. Um dos motivos principais foi o fato de que a classe operária, ao contrário do maio francês, não entrou em cena. Apesar das greves metalúrgicas de Osasco e Contagem, o movimento estudantil não conseguiu se ligar aos trabalhadores para lutar contra a ditadura. O movimento operário havia sido esmagado pelo golpe e só conseguiria se levantar mais de dez anos depois. Em 1968, os estudantes não conseguiriam derrubar a ditadura sozinhos, foram até onde era possível ir. Sua luta, entretanto, nos deixou importantes lições.
Sejamos realistas, exijamos o impossível!
Em 1968, os estudantes foram às ruas para defender a educação e lutar contra a ditadura. Entretanto, essa luta significou muito mais que isso. Naquele ano, em várias partes do mundo, os estudantes se mobilizavam não apenas por pautas específicas, não apenas por democracia, mas por um mundo novo. Edson Luís e muitos outros não deram suas vidas apenas por melhorias no Calabouço, mas sim porque eram parte de uma luta muito maior, que questionava as bases de existência da sociedade capitalista.
Nas aulas de História, aprendemos que esse movimento estudantil é coisa do passado. Depois da restauração do capitalismo no Leste europeu, a juventude ficou sendo bombardeada pela ideologia de que a história acabou. Restava para nós apenas conseguir o melhor diploma para obter o melhor emprego. Ser o melhor aluno e o funcionário do mês. Nossa geração cresceu ouvindo que o capitalismo venceu.
Agora, novos ventos começam a soprar. Nas esquinas do mundo, as lutas voltam a aparecer. E a juventude volta a ocupar seu espaço à frente dessas lutas. Os jovens palestinos que enfrentam o exército de Israel, a juventude francesa que derrotou a precarização do trabalho, os estudantes na América Latina lutando firme contra os falsos governos de “esquerda”, as greves, ocupações de reitorias e conselhos universitários contra o governo Lula.
Nossa geração não se rendeu. Vai, aos poucos, demonstrando sua disposição em seguir lutando. Não aceitamos as ilusões que nos venderam e, através da luta, estamos escrevendo nosso tempo. Muitos tentarão nos desacreditar, dirão que o tempo de lutar já passou. Não daremos ouvidos. Levantaremos a velha bandeira do socialismo e, lado a lado com os trabalhadores, estamos reencontrando nosso lugar na história. Essa é a melhor homenagem que podemos fazer a Edson e tantos outros. Fazer da nossa luta a continuidade daqueles sonhos. Os donos do mundo que nos aguardem, estamos apenas começando.
Um novo movimento estudantil
Quarenta anos depois, os estudantes seguem lutando. A pauta continua a ser a luta contra a política educacional do governo, que, como nos anos 60, segue orientada pelo imperialismo e a serviço das grandes empresas.
Entretanto muita coisa mudou. A ditadura militar das classes dominantes foi substituída pela democracia dos ricos. Agora os cassetetes, as bombas de gás e as tropas de choque são “democráticos”.
Mas se há uma verdadeira mudança, essa sem dúvida se expressa no papel da União Nacional dos Estudantes (UNE) e na organização do movimento estudantil. A entidade era linha de frente contra a ditadura, mas hoje se encontra completamente burocratizada e jogou sua história na lata do lixo ao passar de malas e bagagens para o lado do governo e dos grandes empresários da educação.
Apesar disso, as mobilizações continuam a ocorrer, por fora da UNE, enfrentando- a. Assim, protagonizamos grandes mobilizações no ano de 2007, com a ocupação da reitoria da USP e a ocupações de reitorias nas federais.
O movimento estudantil enfrenta, agora, um importante desafio. Não podemos permitir que esse processo de lutas se perca. A resistência de 2007, que certamente seguirá em 2008, deve ter como conseqüência a construção de uma nova ferramenta de luta dos estudantes, que cumpra o papel que a UNE deveria cumprir.
Neste sentido, o processo de mobilizações deve nos auxiliar a construir uma nova entidade nacional dos estudantes. Essa é uma tarefa fundamental para que os estudantes possam reencontrar seu papel na história.